segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

CARTA ABERTA DE UM PAI E SACERDOTE ANGLICANO (postado pela segunda vez)

Goiânia, advento de 2008.

Queridos pais e mães de filhos especiais,
Solidariedade e Paz!

É um pouco difícil começar esta carta sem conhecê-los, um a um, olhando nos seus olhos. Se isso fosse possível, tentaria captar os desafios e possibilidades de cada um de vocês apresentam em função da sua história de vida.
Mas como pai de 4 filhos, 3 meninos e uma menina, casado a 22 anos e sacerdote da Igreja Anglicana por 25 anos, posso desse lugar tentar compreender os grandes desafios que pais e mães de filhos especiais possuem no seu dia a dia.

Quero designar como “filho especial” aquele que foge de alguma forma ao censo comum. Nesse caso os doentes mentais, os super dotados, os deficientes físicos e os homossexuais, considero-os como pessoas especiais. Os filhos especiais e seus pais sofrem pré-conceitos e discriminações por parte de toda a sociedade. Sei que todos os pais e mães de filhos especiais podem compartilhar a mesma dor e o mesmo prazer – ser o progenitor e progenitora de um ser incomum e por essa razão – ESPECIAL.

Para compreender e aceitar a homossexualidade como a aceito hoje, Deus me permitiu três grandes encontros em minha vida:
Meu primeiro encontro com a questão homossexual foi quando, já casado e pai dos meus primeiros dois filhos, encontrei um amigo de trabalho que era homossexual assumido. Eu nunca tinha tido um contato tão próximo com um homossexual. Sua postura aberta e assumida me incomodava profundamente. Em um certo momento minha carga pré-conceituosa se explicitou e então meu amigo percebeu que eu tinha problemas com sua sexualidade homoafetiva. Foi então que ele me disse: - Elias você algum dia pensou que um de seus filhos pode ser um homossexual? Portanto pense nisso! ....E eu comecei a pensar nisso profundamente.

Tive um segundo encontro com a questão homossexual que me impactou profundamente. Fui convidado a participar de um encontro ecumênico e um dos seus integrantes conhecido como homossexual foi escalado pela coordenação do evento a dividir o quarto do hotel comigo durante os 3 dias do encontro. Nesse momento minhas reminiscências preconceituosas vieram à tona novamente. Eu poderia recusar aquela indicação de hospedagem que havia sido feita. Mas resolvi aceitar o desafio de dividir o quarto com esse colega homossexual. Naqueles 3 dias aconteceu um grande ENCONTRO onde deixamos cair as máscaras da hipocrisia. Consegui ver naquela pessoa um grande ser humano e ultrapassei a barreira do preconceito e nos tornamos grandes amigos. Eu aprendi a respeitar a sua homoafetividade e ele aprendeu a respeitar a minha heteroafetividade.
Um terceiro encontro muito significativo ocorreu a alguns poucos anos atrás, quando convidei uma pessoa que havia conhecido a participar de nossa comunidade anglicana em Goiânia-GO. Aceitando meu convite, certo dia ele me mandou um e-mail dizendo da sua condição homossexual e me perguntava se a Igreja Anglicana o acolheria nessa condição e eu respondi exatamente assim:
“ Parabenizo você pela sua coragem em iniciar esse diálogo. Sei o quanto esse início de conversa é difícil e doloroso. Minha primeira palavra a você é de acolhimento e respeito. Acolho você não por ser homossexual simplesmente, mas antes de tudo por ser filho de Deus e portanto, carregar a sua imagem e semelhança. Sua homossexualidade é parte de você e portanto merece todo o nosso respeito e apresso. Não podemos receber Jesus em nossas vidas se não estivermos prontos a receber os pobres e marginalizados desse mundo. Eu tento viver essa palavra do Evangelho todos os dias de minha vida. Estamos experimentado na Paróquia São Felipe a inclusividade radical do Evangelho. Temos por lá atualmente pessoas que cumprem pena judicial, analfabetos, mães solteiras, doentes mentais, deficientes físicos, negros, brancos, prostitutas, sem-teto, classe média, pobres, doutores e homossexuais. Você não é o primeiro irmão que acolhemos nessa condição. Portanto seja bem vindo”.

Minha compreensão sobre a homoafetividade foi mudando ao longo de minha história de vida. Fui avaliando com mais profundidade a minha condição sexual e nessa medida a homoafetiva deixou de me incomodar. Hoje não há nenhum temor ou pré-conceito na convivência com esse segmento de nossa sociedade.

Queridos pais e mães dos milhares de filhos e filhas especiais, principalmente dos filhos homoafetivos, o plano de salvação de Jesus é para todas as pessoas. Acreditem no amor radical de nosso Senhor Jesus Cristo. Ele venceu todos os pré-conceitos, pois conseguia ver o coração humano, vencendo assim todas as aparências e limites impostos principalmente pela religião de seu tempo.

Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos, eis aí o grande mandamento! Precisamos ler toda e interpretar toda a Bíblia a partir desse novo olhar que nos é posto por Jesus.
Portanto nunca desistam de seus filhos. Eles são a imagem e semelhança de Deus e carregam a carga genética de seus pais. Eles são parte de vocês e a continuação de sua s história de vida. Não desistam nunca de seus filhos!

Não é possível criar formas de amar legítimas e formas de amar ilegítimas. Infelizmente é assim que nossa sociedade se construiu. Ela tenta controlar o amor. Porém o amor não nos pertence, ele é um dom que vem de Deus e que nos é dado gratuitamente. Por essa razão todas as formas de amar são legítimas, mesmo que elas transgridam nossos códigos morais e religiosos. O Espírito de Deus age onde quer e não onde nós desejamos. Por isso devemos repetir sempre: Toda forma de amar é legítima e tem a bênção de Deus.
Hoje a ciência pode comprovar por vários estudos realizados que a homoafetividade não é uma opção do indivíduo e sim é constitutiva do mesmo. Assim sendo ninguém pode ser responsabilizado por ser homossexual. Nos tempos bíblicos não havia nenhuma possibilidade de compreender isso. A ciência não tinha o alcance que tem hoje. Por essa razão em alguns poucos lugares na Bíblia o homossexualismo é condenado. Nessa mesma medida os leprosos eram condenados, as mulheres eram condenadas, os estrangeiros eram condenados, as mães solteiras eram condenadas. Jesus ao falar de amor como princípio de construção de seu Reino, deu as costas para o legalismo judaico e colocou o ser humano como o centro de seu interesse. Jesus nunca teve uma só palavra recriminatória aos homossexuais.

Assim sendo nunca abandonem os seus filhos que precisarão de vocês como uma fonte de reconstrução de suas vidas ao assumirem sua condição homossexual. Vocês serão para eles a força, a coragem a esperança que necessitarão para afirmarem-se como cidadãos e seres humanos. Desfrutem dessa dádiva que Deus colocou em suas vidas. Lembrem que no início desta carta disse que os homossexuais são filhos especiais. Entendam assim a vida de seus filhos – um presente especial de Deus. Os filhos especiais possuem habilidades jamais encontradas nos filhos do censo comum. Desfrutem ao máximo a sua companhia. Amem sem reservas os seus filhos, pois o sucesso de cada um deles na vida dependerá exclusivamente do volume e da qualidade do amor por nós dedicada a eles.
O amor além de ser vivenciado é necessário ser verbalizado. Diga a seus filhos e filhas que você os ama. Abrace e beije os seus filhos sempre que isso for possível.
Nunca dê lugar a aquilo que os outros poderão pensar a respeito de seu filho especial. Pensando assim muitos pais perderam seus filhos para o pré-conceito.

Sobretudo sejam pacientes com seus filhos e com vocês mesmos. Um pré-conceito não se muda apenas por desejo ou por uma vontade. Só se vence o pré-conceito com encontros humanos. É necessário encontrar-se com o outro que motiva nosso pré-conceito. Em minha vida tive três grandes encontros com homossexuais para poder mudar minha forma de convívio e de aceitação dos mesmos.

Não desistam nunca de seus filhos e filhas, pois Deus NUNCA desiste de cada um de nós.

Um grande e forte abraço de um amigo e irmão, na fé do Cristo que liberta a todos os que estão presos nas amarras desse mundo.

Reverendo Elias Mayer Vergara, OST
Sacerdote da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, mestre em ciências da religião (UCG) e psicanalista (SPOB).

Nenhum comentário:

Postar um comentário