sexta-feira, 30 de abril de 2010

MILK A VOZ DA IGUALDADE

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Ano: 2008
Duração: 128min
Audio: Inglês
Legenda: Português
Em vida, Harvey Milk foi um pioneiro dos direitos homossexuais nos Estados Unidos; 30 anos depois de sua morte ele se tornou um mártir do movimento gay. A vida e a morte deste personagem, recordado como o primeiro homem abertamente homossexual eleito para um cargo oficial na Califórnia, são lembradas no filme mais recente de Gust Van Sant, "Milk", protagonizado por Sean Penn. A homenagem acontece em um momento delicado para a comunidade homossexual da Califórnia, particularmente de São Francisco, cidade de Milk, abalada pela aprovação popular a uma proposta para incluir uma emenda na Constituição Estadual com o objetivo de proibir os casamentos entre pessoas do mesmo sexo, o que havia sido autorizado pela Suprema Corte local em maio. Milk contribuiu para impedir a aprovação de uma proposta que pretendia impedir o trabalho de professores gays. O assassino, Dan White, que havia renunciado como supervisor, mas depois tentou recupera o cargo sem êxito, matou o prefeito George Moscone e Milk na prefeitura da cidade e se entregou à polícia poucas horas depois. No filme, White é interpretado por Josh Brolin, visto recentemente nos cinemas como o presidente George W. Bush em "W", filme de Oliver Stone. Milk e White, um veterano da Guerra do Vietnã que trabalhou como policial e bombeiro antes de se candidatar ao cargo de funcionário público, tiveram muitas discussões quando eram supervisores da cidade. Milk, que tinha 48 anos quando foi assassinado, não era apenas aberto a respeito da homossexualidade. Também fazia piadas sobre ele mesmo e se apresentava como a "rainha número um". Quando assumiu temporariamente o posto de Moscone como prefeito, soltou uma de suas piadas em uma cerimônia de inauguração quando cortava a fita: "Provavelmente sou o único prefeito que corta a fita e depois a coloca no cabelo". O ex-tenente da Marinha assumiu a função no Conselho de Supervisores em 1977, numa época em que os Estados Unidos eram sacudidos por reações anti-gay.

SAÍNDO DO ARMÁRIO (Get Real)



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Steve (Ben Silverstorne) é um estudante de uma escola britânica onde todo mundo sabe que ele é gay e mesmo assim ele se sente bastante confortável com a idéia. John (Brad Gorton) é um atleta admirado por todos e que por sua vez esta sofrendo por não estar seguro em relação ao seu sentimento por Steve. Inteligente, o filme consegue explorar questões delicadas e ainda sim sair-se brilhantemente bem. De fato, o filme inteiro é bastante astuto com dialogo habilidoso na exploração dos conflitos sofridos na fase mais conturbada da vida de uma pessoa: A Adolescência.

AMNÉSIA (AMNESIE)



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Ano: 2005
Duração: 90 min
Legenda: Português
Um americano é encontrado nu e sem memória em uma vaga de estacionamento em Montreal, 1998. Ele diz que seu nome é James Brighton, mas a única coisa que ele tem certeza é de que é gay. O que aconteceu com esse jovem americano em busca de liberdade? Isto é o que Sylvie, uma estudante de direito, tenta descobrir. A história é uma versão do incidente registrado em 1998, quando um jovem nu foi encontrado no deserto de Montreal e no hospital lembrava-se do nome e do fato de ser gay. A beleza do filme não está tanto em sua história, mas na maneira como o desmemoriado luta para encontrar sua identidade, sua família e o senso de pertencer.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

AMANDO ANNABELLE (Loving Annabelle)



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Annabelle (Erin Kelly), filha de uma importante senadora, é enviada a um Colégio Católico. Rebelde pela apatia da mãe, indiferente à doutrina e dogmas de seu novo Colégio, Annabelle sente por sua professora, Simone Bradley (Diane Gaidry) uma forte atração que subitamente transforma sua vida no novo Colégio. As barreiras de um tabu que atravessa gerações, um romance lésbico entre aluna e professora através da ótica de uma instituição católica.

Comentário: O filme apaixona desde o início, sua simplicidade ao tratar do assunto considerado tabu tanto para a igreja como para a sociedade é de uma leveza que contamina cada minuto do filme. Cenas bem construídas, boa fotografia e diálogos instigantes nos levam a incorporar os sonhos e fantasias vividos pelas personagens.

O filme foi inspirado em um clássico alemão de 1931 (Maedchen in Uniform), trás uma nova roupagem para um tema que ainda atravessa gerações.

ROCK HAVEN



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Ano: 2007
Audio: Inglês
Legenda: Português
No filme Rock Haven, religião, sexualidade e romance entrelaçam-se quando um jovem profundamente religioso encontra o seu primeiro amor. Brady é um jovem muito religioso que se muda com Marty, a sua mãe super-protetora, para a cidade costeira de Rock Haven, onde esta está montando uma escola cristã. Quando Brady conhece o sedutor e experiente Clifford, surge uma atração mútua instantânea, embora a homossexualidade entre em conflito com as profundas crenças cristãs de Brady. «Rock Haven» é uma história sensual sobre um jovem que descobre a alegria do primeiro amor e os conflitos deste com a sua fé.
Rock Haven é uma pitoresca cidade litorânea que está prestes a tornar-se o estabelecimento de um conflito espiritual de um jovem. Embora ele é um cristão devoto cuja mãe está dando início a uma escola religiosa na pequena cidade costeira, ele está prestes a ser tentado por uma encantadora jovem com bom aspecto e uma atitude carente. Mas como pode sua crença anti-homossexual bater de frente com o que seu coração e seu corpo desejam fazer lhe, e que escolha ele vai fazer em última instância, à sombra de sua mãe e à igreja?

PLATA QUEMADA



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Angel (Eduardo Noriega) e Nene (Leonardo Sbaraglia) são dois matadores inseparáveis (são amantes) conhecidos no meio como "os gêmeos". Até que Fontana (Ricardo Bartis) lhes propõe um novo golpe: assaltar o caminhão que transporta os pagamentos da cidade de San Fernando, que transporta 7 milhões. Tanto Angel quanto Nene aceitam a proposta, para fugir do tédio e superar a crise que existe entre eles naquele momento. Porém, o que parecia ser um trabalho fácil acaba se tornando um verdadeiro massacre. Fontana, Angel e Nene decidem fugir para o Uruguai, para evitar que sejam mortos pelos policiais argentinos, que estão sedentos por vingança. Lá eles se escondem em um apartamento emprestado por Losardo (Héctor Alterio), um mafioso local, onde esperam a chegada de novos documentos fraudados que permitam que eles viajem para o Brasil. Mas quanto mais os documentos demoram a chegar mais a tensão entre os três cresce, chegando a níveis insuportáveis.



Um filme que foge um pouco do tradicional filme Gay, mas muito bom e interessante para quem curte cinema, principalmente cinema latino americano.

LITTLE ASHES (HISTÓRIA DE SALVADOR DALI)


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Baseado em fatos reais. Em 1922, Madri (Espanha) se vê em plena revolução cultural por conta das mudanças de valores provocadas pelo jazz, as ideias de Freud e a avant-garde . Nesse mesmo ano, aos 18 anos, Salvador Dalí (Robert Pattinson, da SAGA CREPÚSCULO) entra para a faculdade determinado em se tornar um grande artista. Sua incomum mistura de timidez e exibicionismo faz com que a elite social da universidade volte suas atenções ao jovem estudante, como Federico Garcia Lorca (Javier Beltran) e Luis Buñuel (Matthew McNulty). O filme acompanha a relação travada entre esses tão importantes artistas contemporâneos.

PROM QUEEN



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Baseado em fatos reais, conta a história de Marc Hall, aluno popular de um colégio católico, que consegue evitar as típicas perseguições à homossexuais nas escolas. Mas quando decide levar seu namorado para o baile de formatura se dá conta que passou dos limites. De uma hora para a outra ele vira foco da mídia canadense e percebe que está lutando não apenas pelo direito de levar o namorado ao baile, mas pelos direitos de homossexuais em todos os lugares.

LATTER DAYS



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Este filme conta a história de um gay que vive em festas e curtindo a vida, ele não pensa muito sobre qualquer coisa e ao que pode acontecer. Acontece que surge Elder Davis de 19 anos, um missionário Mormon sexualmente confuso, que se muda para o seu condomínio e Christian tenta seduzí-lo. Quando Christian simplesmente se envolve com este missionário mórmon, a relação se transforma em um apaixonado romance que acaba ameaçando até a própria vida deles.

O PADRE (The Priest)


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Padre Greg (Linus Roache) é enviado para trabalhar em uma paróquia em Liverpool. Ele fica surpreso ao ver que seu novo superior, padre Metthew (Tom Wilkinson), não cumpre o celibato, mantendo um relacionamento com uma mulher. este é apenas o primeiro fator que fará com que Greg entre em conflito e questione algumas regras da igreja. Um segundo fator é a descoberta da própria homossexualidade, quando se apaixona por um rapaz (Robert Carlyle). Mas o que mais lhe tortura é quando uma menina de 14 anos lhe conta que sofre abusos por parte do pai, mas Greg está de mãos atadas pelo sigilo da confissão. Dividido entre sua vocação e sua sexualidade, entre as regras da igreja e os problemas que testemunha, Greg teme ter sua fé abalada.

KINSEY - Vamos falar de sexo


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Alfred Kinsey (Liam Neeson) dedicou boa parte de sua vida a compreender o mecanismo do sexo. Movido pelo desejo científico de registrar, classificar e decodificar o comportamento sexual dos seres humanos, Kinsey atraiu a atenção, o carinho e, acima de tudo, numa sociedade puritana como a norte-americana, o ódio. É muito fácil falar e debater sobre sexo no século XXI (porém, não completamente sem uma carga de pudor), mas, em 1950, o gesto desse cientista foi um abalo nos alicerces da moralidade. Ele desafiou todas as convenções, bateu de frente contra um pai castrador, viveu experiências homossexuais, entrevistou homens, mulheres, gays, lésbicas, pedófilos, zoófilos, sadomasoquistas e toda sorte de orientações, taras e inclinações sexuais. Kinsey levou aos limites sua pesquisa, vivendo ele mesmo o objeto de seus estudos. Sem dúvida, "Kinsey, Vamos Falar de Sexo" levanta uma série de questionamentos sobre a necessidade biológica do sexo, muito além da limitada, para não dizer ignorante, concepção religiosa. O ato de se relacionar sexualmente extrapola o horizonte da mera procriação e não deveria ser encarada como degradação ou pecado. No entanto, o cientista acaba sufocando o ser humano e Kinsey é o reflexo de um homem obsessivo, que só pensa em sua pesquisa, só fala de sua pesquisa, e que passa por cima de tudo por causa dela.

Ao mesmo tempo em que denuncia a hipocrisia da religião quanto à verdadeira pesquisa científica, também nos alerta quanto aos perigos de se investigar apenas o "como", enquanto se esquece da pergunta mais fundamental de todas: o "por quê?"

ORAÇÕES PARA BOBBY (Prayers for Bobby)


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Ano: 2009
Audio: Inglês
Legenda: Português
Duração: 90min
A emocionante história real de Mary Griffith (Sigourney Weaver), uma dona de casa suburbana e religiosa que reluta em aceitar a homossexualidade de seu filho Bobby (Ryan Kelley). Ela insiste que ele pode ser curado, mais, o jovem acaba cometendo suicídio. Por fim, ela mudará seus pontos de vista por vias que ela jamais poderia imaginar tornando-se uma ativista. O filme feito para TV, teve o roteiro adaptado de um livro de mesmo nome, baseado em fatos reais e escrito por “Leroy Aaron”

PECADO DA CARNE (Eyes Wide Open) - עיניים פקוחות

 

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Em um bairro ultra-ortodoxo de Jerusalém, de nome Meah Shearim, vive Aaron Fleishman (Zohar Strauss), pai de quatro filhos e administrador do negócio da família, um açougue kosher, Herdado depois da morte de seu pai. O mundo observador das regras de Aaron se transforma completamente com a chegada do jovem estudante Ezri (o belo galã da TV Ran Danker). Ambos começam a passar tempo juntos, e por períodos cada vez maiores, levando Aaron a ser imediatamente discriminado em sua comunidade. Confrontado pelo rabi Vaisben (Tzahi Grad ), Aaron declara que se sentia morto antes de conhecer Ezri. Mas a reação forte e violenta de moradores locais força o jovem a tomar uma decisão. O roteiro de Merav Doster explora com sinceridade os impasses de comportamento dos personagens e trata com elegância e intensa sensualidade o momento em que a paixão entre os dois finalmente se consuma.



SALVE-ME (SAVE ME)


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Ano: 2007
Audio: Inglês
Legenda: Português
Duração: 96 min

Após uma tarde de sexo gay, Mark tem uma overdose e é internado pela família numa instituição cristã que promete em 12 passos, transformar o jovem gay em hétero. Mas acaba por se apaixonar por um dos internos *Com o ator que fez BEN em Queer As Folk

COMO DIZ A BÍBLIA (FOR THE BIBLE TELLS ME SO)


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Pode o amor entre duas pessoas ser uma abominação? O abismo separando homossexuais e cristãos é de fato tão grande quanto aparenta? Como a Bíblia pode ser usada para justificar ódio? Estas são as questões no coração de Daniel Karslake em "Como Diz a Bíblia". Este provocador e divertido filme concilia homossexualidade com interpretações e traduções literais da Bíblia. Através das experiências de cinco famílias tradicionais americanas, descobrimos como as pessoas conseguem, ou não, lidar com um filho gay. Ouvimos vozes respeitadas, ligadas a diversas religiões. Segundo notas da produção, o filme oferece cura, clareza e compreensão a quem quer que seja capturado na mira das escrituras religiosas, independente de sua orientação sexual.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

OS DESAFIOS DA INCLUSIVIDADE


Um dos mais conhecidos e respeitados bispos anglicanos do século XX certa vez disse que a igreja anglicana era, simultaneamente, a "pior" e a "melhor" de todas as igrejas. E explicou: a melhor, porque todos têm que ouvir o que você tem a dizer; a pior porque você tem que ouvir o que os outros têm a dizer.

Hoje somos convidados a fazer uma breve reflexão sobre um tema por demais importante e, ao mesmo tempo, difícil: "A Comunhão Anglicana e o desafio da inclusividade". Queremos, antes de mais nada, agradecer o convite que nos foi formulado pelo nosso Arcediago para esta palestra e dizer da importância de debater este tema dentro deste ano que é um ano afirmativo para a diocese anglicana do Recife.

Antes de iniciar propriamente nossa breve reflexão é mister dizer algumas palavras sobre o significado do termo inclusividade. Positivamente, diríamos que a inclusividade pode ser entendida como aquela disposição mental na qual você está, a priori, aberto para ouvir e se enriquecer com a experiência e com a visão do seu dessemelhante. Neste aspecto, a inclusividade é radicalmente o oposto da exclusividade. Na visão e na postura exclusivista, só eu tenho a verdade, só eu conheço a verdade, quem pensa diferente de mim está no erro e, o que é pior, quem pensa diferente de mim, pensa diferente de Deus, porque Deus concorda comigo. O exclusivismo e a impermeabilidade ao novo e ao diferente são duas das grandes marcas presentes nos grandes movimentos fundamentalistas revelados pela história a fora. Sejam eles cristãos, muçulmanos ou judaicos. São, portanto, sociologicamente, marcas daquilo que se convencionou chamar de "seitas" e que se distinguem das "religiões estabelecidas".

O anglicanismo se entende e se vê, definitivamente, como uma instituição inclusivista. Todas as Conferências de Lambeth, assim como todos os grandes documentos produzidos no seio desta enorme Comunhão de províncias, revelam este traço que é simultaneamente uma realidade que experimentamos e um alvo que buscamos.

Ser inclusivista não é fácil. Esta atitude produz muita tensão e muito desconforto. Particularmente em pessoas inseguras. Por isso nosso desafio constante para viver, no seio da Comunhão Anglicana, esta realidade. Portanto, diante da proposta anglicana de se viver a inclusividade na prática e em todas as dimensões da realidade eclesial, somos desafiados a nutrir e a praticar pelos menos algumas atitudes fundamentais.

1. A inclusividade nos desafia, em primeiro lugar a uma atitude de humildade.

O estudo sério da teologia e as recentes considerações e pesquisas que tratam da filosofia da linguagem e da epistemologia, nos levará a ver que toda teologia está mediada pelo discurso. Ora, se todo discurso e toda predicação é limitação, não podemos, propriamente, "falar de Deus" sem que, em via de conseqüência, o limitemos. Daí a importante tomada de conhecimento de que toda a nossa visão de Deus é sempre penúltima e sempre transitória.

É penúltima e transitória em função de nossa linguagem que jamais poderá dizer "ultimamente" e "definitivamente" "tudo" sobre o ser de Deus. É penúltima e transitória também em função dos condicionamentos histórico-temporais que temos e que "embotam" um correto entendimento acerca da pessoa de Deus; finalmente, é penúltima e transitória em função da realidade de nossa condição humana descrita na forma de uma "queda". Se somos uma humanidade "caída" e, portanto, composta por seres inaptos para atingir, de moto próprio, um conhecimento definitivo e seguro, sem que a graça de Deus nos atinja primeiro, somo incapazes de "conhecer" e de "aprisionar" Deus dentro de categorias e de estruturas lingüísticas que serão sempre limitadas e limitadoras.

Os fundamentalistas não pensam assim. Eles acreditam que já sabem de tudo a respeito de Deus. Eles já o "dissecaram" a pondo de conhecer todos os desígnios e todos os pensamentos de Deus. Eles já sabem como Deus "funciona", quais seus desejos mais íntimos, o que ele gosta, como ele é, quais suas características, atributos, etc. os fundamentalistas acreditam que já conseguiram "engarrafar", "encapsular" e "domesticar" Deus. O que eles não entendem é que, ao fazerem isso estão, na verdade, eliminando o "mistério" e o "imponderável" de nossa realidade. Estão minando a possibilidade de uma ação "sobrenatural", uma vez que todos os possíveis atos de Deus já são previstos. Estão eliminando, em ultimo grau, a própria fé, vez que se a fé é a prova do que se espera, e já não esperamos mais nada de Deus, não precisamos mais crer. Eles estão, de fato, criando um ídolo.

Um anglicano não pode ter esta perspectiva. Deus será sempre um mistério para quem é inclusivista. O mundo não é um sistema fechado mas aberto à ação soberana de Deus. O anglicano tem noção da incapacidade do homem em descrever Deus, mas sabe que "o que de Deus se pode conhecer" pode ser conhecido através das Escrituras, da revelação de Deus, de Jesus Cristo. Este conhecimento jamais será exaustivo, mas com toda certeza é um conhecimento veraz. O pouco que podemos conhecer sobre Deus, podemos conhecer verdadeiramente e podemos conhecer porque Ele se quis revelar.

2. A inclusividade nos desafia, em segundo lugar a uma atitude de tolerância.

Tolerância é um outro nome para complacência e transigência. O tolerante é alguém indulgente, complacente, transigente. Somos convidados a suportar, digerir e assimilar. Duas verdades podem ser destacadas aqui. Primeiro que a tolerância pode ser desenvolvida por meio do fruto do Espírito Santo conhecido como longanimidade. Aquele que é longânime desenvolve também a tolerância. Em função disso bom seria que todos os cristãos, e não só os anglicanos, fossem tolerantes.

Uma outra verdade relacionada com a tolerância é que Jesus é alguém que nos serve como exemplo desta atitude. Ele, de fato, tem mais paciência com as pessoas do que os religiosos da época. Na realidade, a vida de Jesus é uma vida de constantes encontros com aqueles que nunca são tolerados e amados. Jesus se aproxima de leprosos, de prostitutas, de mulheres, de publicanos e pecadores, de sírios e samaritanos, de cegos e doentes. Jesus os toca e se deixa tocar por eles. Jesus os abraça e os acolhe na comunidade dos que têm fé. Nem o "passado" nem a "realidade presente" desta pessoas se constituem em impedimento para que Jesus as ame e as receba.

O testemunho dos evangelhos claramente nos faz ver que Jesus só é duro com as pessoas que desenvolveram esta intolerância que afasta, que segrega, que separa as pessoas e as classifica em melhores e piores.

Os anglicanos são convidados a desenvolver também, assim como seu Senhor, a tolerância e a inclusividade. Somos convidados a ter em nosso coração a mesma disposição que há no coração do Pai. O Pai nos suporta, nos compreende, nos tolera, mesmo quando nos afastamos dele. O Pai nos reconhece quando voltamos e corre para nos abraçar. O Pai não teme pôr um anel em nosso dedo e dar uma festa quando um filho volta ao lar. Ele não nos recebe com as portas fechadas mas com o coração e com os braços abertos. Há uma explicita dimensão materna na paternidade de Deus. Deus, em sua santidade, nos acolhe a nós pecadores e fracos como somos. Quem somos nós para não acolher a quem Deus acolhe? Quem somos nós para acusar, julgar, condenar e executar a quem Deus, que é "mais justo" que nós, acolhe com perdão? Se estamos no Espírito, devemos também viver nos Espírito, portanto, na tolerância.

3. A inclusividade nos desafia, em terceiro lugar a uma atitude de aprendizado.

Alguém já disse certa vez que não há ninguém que seja tão rico que não precise de nada e ninguém que seja tão pobre que não possa dar alguma coisa. Esta mesma verdade também se aplica às nossas relações de aprendizado e ensino. Ninguém é tão inteligente que não possa aprender mais nada e ninguém é tão ignorante que não tenha nada a ensinar.

Na Comunhão Anglicana vivemos uma coexistência - nem sempre pacífica - entre diversas correntes. Sabemos que para muitos isto tem sido encarado como uma das fraquezas do anglicanismo, mas minha convicção é que, ao contrário, devemos compreender que esta diversidade é na realidade uma das nossas maiores riqueza. É uma riqueza porque podemos aprender com setores ao mesmo tempo tão diversos e tão próximos de nós. Cada corrente tem muito o que compartilhar com as demais. Os liberais, por exemplo, podem ensinar muito sobre a importância de um estudo mais sério das Escrituras à luz das recentes descobertas da ciência. O liberalismo sério - diferente da postura vanguardista irresponsável de tendência fundamentalista de esquerda, defendida por alguns - tem uma preocupação básica extremamente relevante: falar da fé cristã nas categorias que o mundo possa compreender. O liberal, portanto, pretende fazer uma espécie de apologia do cristianismo ao traduzi-lo e torna-lo palatável a uma geração que trabalha e usa categorias diversas daquelas que são usualmente citadas no discurso religioso. Os liberais são aqueles que estão constantemente abertos para compreender o mundo que o cerca e as dores que o afligem. Sem a contribuição dos liberais podemos correr o risco de falar com categorias que já não significam nada e de responder a perguntas que já não são feitas. Eles contribuem, portanto, com a agenda de discussão e com as categorias de um discurso relevante. Nossas igrejas, sem a contribuição dos liberais, certamente seriam mais irrelevantes para o mundo do que já são hoje.

Outro grupo que tem muito a ensinar são os anglo-católicos. Herdeiros e valorizadores da riquíssima tradição da Igreja medieval, os anglo-católicos podem ensinar a igreja moderna em pelo menos três itens: tradição, a espiritualidade e a beleza. Os anglo-católicos nos lembram constantemente que o anglicanismo não é uma aventura irresponsável que surgiu no século XVI por causa dos devaneios de um Rei egocêntrico. Pelo contrário, somos uma igreja com uma milenar, riquíssima e vastíssima tradição nas áreas mais diversas. Os anglo-católicos nos lembram sempre que o mesmo Espírito Santo que foi derramado sobre a igreja no dia de pentecostes a assistiu durante todos estes séculos orientando as decisões e iluminando os teólogos e estudiosos acerca de tantos temas relevantes ainda hoje.

Os anglo-católicos também têm muito a falar sobre espiritualidade. Em um mundo cada vez mais aberto à espiritualidade e à mística, e cada vez mais refratário ao discurso logocêntrico, os anglo-católicos podem ajudar em muito àqueles que querem "redescobrir" os temas e os métodos da espiritualidade do medievo. Com eles a igreja pode redescobrir a beleza e a profundidade do silêncio, da contemplação, da iconografia, dos exercícios espirituais, da meditação, etc.

Finalmente, a igreja tem muito a aprender com os anglo-católicos na área da estética liturgica. O culto dominical, quer queiramos ou não, acaba por representar toda nossa confiança na razão (iluminismo) e toda a nossa dependência do intelecto à medida em que ele está completamente centrado no discurso. O púlpito é o centro. O sermão é uma aula. Vivemos em um logocentrismo desenfreado. O que não percebemos é que no mundo pós-moderno os discursos não são apenas verbais. Há uma gama enorme de potencial colocado na comunicação não verbal. Os sinais, signos, cores, gestos, as cerimônias, tudo isso ensina, educa, convence, constrói, mesmo quem não se diga palavra alguma. Nada contra um sermão que efetivamente ensine os valores das Escrituras, mas não podemos - se é que queremos atingir o homem todo, inclusive a sua alma - abrir mão do belo, do estético, da riqueza de significados que podemos passar também através deste aspecto tão importante da tradição da igreja.

Os carismáticos, sejam eles de origem anglo-católica ou evangélica, também possuem muito a ensinar. Com eles podemos aprender o fervor pela obra de Deus e a ênfase na presença do Espírito Santo. Os carismáticos, em primeiro lugar, são exemplos de fervor e de compromisso pela causa de Deus. Eles estão sempre dispostos a se envolverem nas atividades, estão sempre dispostos a um sacrifício a mais, que chova quer faça sol, eles são os primeiros a chegar, são os primeiros a se envolverem, são os primeiros a assumir algum ministério da igreja, são os primeiros a dar tempo e dinheiro para que o trabalho de Deus cresça. O compromisso e o zelo dos carismáticos são um exemplo que poderia ser seguido por todos os demais segmentos do anglicanismo. Mas não é só isso.

Os carismáticos também nos lembram que a igreja é um espaço privilegiado da ação do Espírito Santo. Não estamos sós, Deus está conosco na pessoa de seu Espírito. E é este Espírito quem dota a cada membro do corpo dos dons necessários para o crescimento e o amadurecimento deste mesmo corpo. É este mesmo Espírito quem também nos assiste na vivência e na prática do Fruto do Espírito, transformando vidas, convertendo pessoas, operando milagres, curando enfermos, gerando reconciliação entre os que antes viviam na discórdia, capacitando os irmão a perdoar aqueles que os magoaram, enfim, os carismáticos vivem sob o domínio e sob a ação do Espírito. E isto acontece porque Ele está conosco e em nós. Sim, os anglicanos certamente também podem aprender muito com os carismáticos.

Finalmente há os evangelicais. Este grupo crescente no anglicanismo também pode muito colaborar com o sua ênfase e com seu jeito de ser, para a coletividade desta Comunhão Anglicana. Os evangelicais ressaltam três grandes ênfases: as Escrituras, a conversão e a missão. A primeira ênfase característica dos evangelicais é as Escrituras. Para este grupo as Escrituras devem ser vistas como a base e o fundamento de nossas crenças, de nossa adoração e de nossa prática. A forte tendência a se fazerem sermões expositivos em série releva nitidamente a crença de que "todo o conselho de Deus" deve ser pregado para o "povo de Deus" produzindo assim transformação na vidas.

A forte presença da Bíblia na "fé e na prática" dos evangelicais produz a conversão: "a fé vem pelo ouvir e ouvir a Palavra de Deus". E este é o segundo elemento constitutivo das ênfases evangelicais. A vida do cristão nominal precisa passar por uma mudança, uma transformação. Isto é visto como um "novo nascimento", uma nova realidade espiritual que "deixa para trás as coisas que para trás ficam" e que nos faz agora caminhar para o "alvo de nossa vocação" olhando "para Jesus, autor e consumador da fé".

Finalmente, os evangelicais são aqueles que valorizam a missão da igreja. Por "igreja" os evangelicais entendem "todos os cristãos batizados" que vivem sua fé em novidade de vida. A missão é uma ordem dada a todos e não apenas aos ministros ordenados. Todos temos que nos envolver de alguma forma e em alguma medida na missio Dei. O evangelho precisa ser pregado ainda hoje e produzindo as mesmas transformações que produziam no início. E é a pregação deste mesmo evangelho que produzirá uma renovação sempre constante na vida da igreja. Ser missionário significa ser proativo, ser propositivo, ter uma proposta diferente para oferecer ao mundo e esta proposta é o Reino de Deus, esta proposta é Jesus Cristo o "único caminho", a "verdade e a vida". Quem o segue não andará em trevas pois tem a luz do mundo

4. A inclusividade nos desafia, em ultimo lugar a uma atitude de fidelidade.

Negativamente falando, a inclusividade não é a mesma coisa que relativismo nem a mesma coisa que sincretismo. Não é relativismo, porque no relativismo não há convicções a serem partilhadas. Tudo é volátil. Nada é seguro. Não há verdades absolutas, não há verdades confiáveis, não há no que se crê nem no que confiar em ultimo grau. Não há verdade alguma. Tudo é fluido e escorre pelos dedos.

Não é, tão pouco, sincretismo porque no sincretismo há uma absorção irrefletida de todos os postulados e de todas as crenças mesmo que isto acabe por criar um "samba do crioulo doido" teológico e conceitual. No sincretismo todos os discursos são nivelados e possuem um igual valor de verdade. Não há um critério externo a partir do qual se possa julgar qualquer coisa. Na realidade não há critério algum.

Não é esta a inclusividade que emerge dos documentos oficiais da Comunhão Anglicana. Uma leitura, por exemplo, dos textos produzidos pelas cinco ultimas Conferências de Lambeth nos fará concluir que há claros limites na inclusividade anglicana.

Para concluir, creio ser didático compreender o que está ocorrendo em nossa Comunhão Anglicana através de dois fatos recentes de muita importância para nós. O primeiro deles foi o convite feito pelo Nashotah House - o principal e mais conservador seminário anglo-católico do mundo - para que um membros do staff do Trinity Episcopal School of Ministry - o mais conservador seminário evangélico dos Estados Unidos - se tornasse seu Deão acadêmico; o segundo foi o convite feito ao Bispo Maurice Sinclair para ser o pregador no retiro anual de uma das maiores sociedade anglo-católica do mundo. No mundo inteiro as tendências anglo-católicas e evangelicais estão se reunindo para estudar e orar com mais freqüência.

O lugar privilegiado onde se pode ver mais claramente este bonito entrosamento entre as diversas correntes é o culto. Mais e mais paróquias em todo o mundo estão desenvolvendo uma atmosfera cúltica na qual a presença de um bonito e rico cerimoniário anglo-católico e um excitante louvor carismático andam ao lado de uma relevante, empolgante e embasada exposição bíblica e de uma desafiante chamada à metanoia. Hoje, mais do que em qualquer outro momento da história do anglicanismo, tem havido uma aproximação enriquecedora entre as correntes anglicanas. Temos testemunhado um crescimento mútuo e um mútuo compartilhar de perspectivas, visando o futuro do anglicanismo.

Como membros da futura diocese que se estabelecerá, pela graça de Deus, nestas terras anteriormente povoadas pelos tabajaras e pelos potiguares, temos a obrigação de mostrar ao resto da diocese do Recife e a esta província do Brasil um exemplo de convivência cordial e pacífica dentro dos mais elevados padrões que a inclusividade anglicana exigem. Que Deus nos desperte e nos habilite para isto.

FONTE: http://www.psj.org.br/codigos/pt/paginas/artigos/desafios_inclusividade.htm

terça-feira, 27 de abril de 2010

UGANDA TEM PROJETO QUE PODE CONDENAR GAYS À PENA DE MORTE


Muitos gays já foram xingados e até atacados e são obrigados a viver quase que clandestinamente num país que não reconhece o homossexualismo como direito humano.


Enquanto em diversos lugares do mundo os homossexuais vêm conquistando direitos como casar e adotar crianças, na África mais de 30 países consideram crime ser gay. Um desses países é Uganda. Por lá, a lei está prestes a ficar ainda mais severa. Um projeto que será votado agora em maio quer incluir pena de morte entre as punições aos homossexuais.

Em Uganda, no leste da África, um homem é considerado um fora da lei. O crime dele? Ser homossexual assumido. “Eu acordo todo dia sem saber o que vai acontecer comigo”, diz Frank Mugisha, de 28 anos, um dos líderes do movimento gay no país.

Entrevistá-lo não foi nada fácil. Mugisha tinha medo do local do encontro. A equipe de produção do Fantástico teve de convencê-lo de que a reportagem não era uma armadilha. Tanto medo tem motivo: um projeto de lei polêmico, que deve ser votado até o fim de maio, está provocando uma forte perseguição aos gays em Uganda.

“Se você declarar que é gay, se fizer isso em público, deve ser retirado das ruas e ser preso, porque a homossexualidade é crime”, diz David Bahati, deputado de 36 anos e autor do projeto.

O simples fato de se declarar gay poderá levar à prisão perpétua. O projeto também defende que parentes e vizinhos denunciem quem for homossexual, sob pena de também serem presos. E há até pena de morte prevista, no caso de um adulto tentar seduzir um menor do mesmo sexo.

Para Bahati, distribuir panfletos próximo a escolas alertando sobre a Aids já deve ser considerado uma tentativa de aliciamento. “Aqui homem dormir com homem é um tabu. É pecado. É tão horrível quanto roubar”, afirma o deputado.

Hoje o homossexualismo já é crime em Uganda, mas só há prisão em caso de flagrante. Pelo novo projeto, basta alguém acusar uma pessoa de ser gay. O ministro da Ética e Integridade, James Obuturo, que cuida da tramitação da lei no Parlamento, apoia o projeto.

“Do ponto de vista da nossa cultura e da nossa espiritualidade, o homossexualismo é algo abominável”, acredita o ministro.

A maioria da população de Uganda concorda com o governo. Em fevereiro, cerca de 25 mil pessoas foram às ruas manifestar aprovação à lei anti-gay. Para um homossexual andar pelas ruas em Uganda se tornou perigoso. Muitos gays já foram xingados e até atacados. Eles são obrigados a viver quase que clandestinamente.

Frank Mugisha conta que é obrigado a mudar de casa constantemente e que evita certos lugares para não sofrer ataques verbais ou até físicos. Warry Sssenfuka, outra ativista, também tem medo de andar pelas ruas. Mesmo assim, ela carrega o símbolo do movimento gay no pulso e faz questão de usar calças compridas.

“Aqui mulher tem que andar de vestido, mas eu não quero usar vestido. Gosto de me vestir assim. Por isso, é fácil as pessoas me apontarem na rua e dizerem: ‘Ah, ela é gay’”, diz Warry Sssenfuka, de 28 anos.

Warry se formou em telecomunicações, mas jamais conseguiu emprego no setor por preconceito. Ela trabalha em uma organização não-governamental que faz campanha de prevenção a Aids e luta pelos direitos dos homossexuais. Se a lei for aprovada, o local passará a ser ilegal e terá de fechar as portas. O escritório fica em um bairro residencial. Por segurança, não há nada do lado de fora que indique que se trata de uma ONG.

Um milhão de pessoas tem o vírus HIV em Uganda. A estatística mais recente é de 2008, ano em que 91 mil pessoas morreram no país em consequência da Aids. ONGs como a de Warry trabalham para tentar evitar que a epidemia aumente, mas são vistas pelo governo como promotoras do homossexualismo.

“Gays têm três vezes mais chance de pegar o HIV. Por isso, combater o homossexualismo é combater a Aids”, defende o deputado David Bahati.

Nos últimos meses, a pressão internacional para que o projeto não seja votado aumentou. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, declarou que a lei é abominável.

“Aqui nós não reconhecemos o homossexualismo como um direito humano. Pode ser assim no Brasil ou na América. Mas o que é bom para esses países pode não ser bom para Uganda”, afirmou o deputado.

Não há lugar mais perigoso e pior para um homossexual viver do que o continente africano.

Em mais de 30 países da África, o homossexualismo é crime, com penas que variam desde multa equivalente a R$ 300 até a prisão perpétua. A exceção é a África do Sul, país da Copa. Desde 2006, lá é permitido o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Já no Sudão, na Mauritânia e em algumas partes da Somália e da Nigéria, a punição para gays é a pena de morte.

Christopher Senyonjo, ex-bispo da Igreja Anglicana em Kampala, luta para que Uganda não seja o quinto país a entrar na lista . “Não podemos condenar o amor, porque esse amor é diferente. Não podemos compará-lo a crimes. É difícil aceitar e entender o que eles propõem”, defende o ex-bispo.

Por defender os gays, Christopher Senyonjo foi afastado da Igreja Anglicana e não pode mais pregar. Se a lei for aprovada, a caçada aos gays será ainda mais implacável em Uganda. “Eu serei uma das últimas a permanecer de pé. Vou até o fim”, diz Warry Sssenfuka. “Eu vou ficar até não dar mais”, afirma Frank Mugisha.

FONTE:
http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1578920-15605,00-UGANDA+TEM+PROJETO+QUE+PODE+CONDENAR+GAYS+A+PENA+DE+MORTE.html

NEM MASCULINO, NEM FEMININO! E SE DEUS FOR GAY?


Um novo olhar sobre a questão do gênero humano e da imagem de Deus.


Reverendo Elias Mayer Vergara, ost

Para pensar na imagem de deus, precisamos pensar na imagem do ser humano. As categorias que atribuímos a Deus, são as categorias humanas: Pai, filho, mãe, espírito.... Se nossa representação de Deus é sempre uma representação do humano divinizado, quero então postular por um Deus gay!

É necessário de início fazer uma distinção clara entre sexo e gênero, para que possamos nos aventurar a este novo olhar. O sexo é um fator orgânico, biológico e é definido pelo espermatozóide que possui somente duas categorias: o masculino e o feminino. O sexo então estará claramente definido pelos órgãos genitais masculinos e femininos, pênis e vagina. Na natureza, do ponto de vista do sexo, há ainda a possibilidade da existência do hermafrodita. Este último sempre considerado como uma anomalia, pois desconstrói nossa bipolaridade quanto ao que a natureza humana pode produzir em relação a perpetuação da espécie. Outra coisa bem diferente é o gênero humano. O gênero é definido socialmente. É aquilo que uma determinada cultura atribui ao sexo feminino ou masculino. Para os escoceses usar saia é um hábito extremamente masculino, já para a nossa cultura ocidental, este é um costume ligado ao feminino. Assim, culturalmente definimos uma série de comportamentos, costumes, símbolos que atribuímos à homens e à mulheres de forma bem distinta. Assim sendo o sexo é aquilo que a natureza biológica produz, e o gênero é aquilo que a cultura produz .

Havendo gravidez, começam as especulações: será um menino? Será uma menina? Ninguém pergunta: será um homossexual?

Ninguém deseja ter um filho ou uma filha homossexual. Pois a homossexualidade é uma ameaça aos padrões sexuais definidos socialmente. É uma ameaça ao gênero. E confrontar estes padrões passa a ser um esforço que demanda muita energia.

Quando o obstetra dá a notícia do sexo para a mãe e o pai do bebê, ainda no ventre materno, já começa uma batalha social para garantir que o sexo anunciado vai de fato corresponder ao gênero desejado. Se for menino, a mobília do quarto, o enxoval do bebê, tudo estará relacionado com os padrões masculinos: a roupa do bebê poderá ser de qualquer cor, menos rosa, pois rosa é uma cor que identifica as meninas. No quarto do menino haverá uma mobília de cores fortes, e os motivos que ornamentarão o ambiente serão ligados a força, a guerra, a bravura. Entre os brinquedos dos meninos jamais estarão as bonecas, as miniaturas dos utensílios domésticos, pois estas coisas são de meninas. Já se o sexo for de menina, o cor será o rosa, os motivos de ornamentação serão suaves e lembrarão a ternura e os brinquedos serão bonecas e outros ligados as tarefas e afazeres do lar.

Muitas pesquisas demonstram que este cuidado em definir padrões simbólicos masculinos e femininos, são os responsáveis pela construção do mundo patriarcal e machista que conhecemos muito bem. Aquilo que é atribuído às mulheres como gênero feminino, cria nelas uma atitude de dependência, de fragilidade e subserviência. Já aquilo que é atribuído aos homens cria neles uma atitude dominadora, de força e de sub-jugamento. Ou seja, a sociedade para manter-se patriarcal e machista constrói para cada categoria sexual, um sistema simbólico próprio, que irá reproduzir e perpetuar os mesmos padrões sociais.

Levanto uma outra hipótese para ampliar esta discussão sobre o Deus gay: a necessidade cultural de definir padrões masculinos e femininos deve-se ao grande medo existente em nossa cultura ao gênero do homossexual. Assim como o hermafrodita é considerado uma anomalia sexual da natureza, o homossexual é considerado uma anomalia do gênero humano. E se deus for gay?

Quanto mais a cultura de nossa sociedade tentar forjar esteriotipadamente homens e mulheres com categorias absolutas, estará admitindo em seu inconsciente coletivo, a possibilidade do homossexual. Ninguém tem medo daquilo que não existe, a não ser que acreditemos em fantasmas. E a homossexualidade é uma realidade, ela existe de fato. Parece que acreditamos muito no ditado: “o hábito faz o monge”. Nem sempre isso é verdade. Mas com certeza nenhum monge se faz sem o hábito. Se há a necessidade de vestirmos os meninos diferentemente das meninas, isso prova que não basta ter um pênis ou uma vagina para que seja definido o gênero masculino e o gênero feminino.

Postular por uma categoria divina homossexual, é postular pela inserção da homossexualidade como categoria hermenêutica viável para se ler a vida humana na sociedade. Uma hermenêutica homossexual da Bíblia poderá também nos ajudar a relativizar a polaridade existente hoje entre uma hermenêutica machista e outra feminista da Bíblia. Isso fica muito evidente quando aprofundamos as discussões sobre qual gênero que podemos atribuir a Deus. Deus é masculino ou feminino? A possibilidade de um Deus homossexual pode ser muito mais desafiadora. Aliás não há registros na Bíblia de que alguém tenha visto o sexo de Deus. Se Deus não tem um sexo definido, assim como os hermafroditas, qualquer gênero lhe poderá ser atribuído. Deus pode também ser um deus gay.

Portanto a melhor composição trinitária poderia ser: Masculino, feminino e homossexual. Assim teríamos um deus muito mais humano e encarnado.

EVA LIBERTADA: UMA LEITURA MÍSTICA DA TRANSGRESSÃO


Reverendo Elias Mayer Vergara, OST 

O mito de Gênesis 3, traz como principal protagonista a personagem Eva, que dentro do enredo mitológico tem historicamente sido interpretada como a causadora do pecado e da queda do homem. Assim a Igreja tem justificado uma série de comportamentos de domínio e de menosprezo ao papel da mulher.

A delimitação do texto mitológico de nossa reflexão está contida entre Gn 2, 25 – Gn 4, 1. Em Gênesis Gn 2, 25, a nudez do homem e da mulher não desperta nenhum interesse sexual, em Gn 3, 7 a nudez desperta interesse sexual que é contido pela lógica do jardim e em Gn 4, 1, fora do jardim, homem e mulher completam-se sexualmente. A sexualidade portanto é o eixo deste enredo mitológico. Inicialmente negada, depois despertada e finalmente exercida. Fica claro portanto que quando nos referirmos à Gênesis 3, estaremos incluindo o verso anterior e posterior a este capítulo.

A “jornada do herói” que é um esquema hermêutico consolidado entre pesquisadores do gênero do mito será aqui utilizada no processo de desconstrução monossêmica (um só sentido) feita no mito de Gênesis 3.

A transgressão sempre interpretada de forma negativa por aqueles que são encarregados de manter a ordem institucional, aqui será vista como o elemento

místico necessário para romper com a realidade estabelecida. Eva nos ajudará a um exercício da mística da transgressão que se opõe frontalmente ao exercício piedoso da mística da obediência, que por ser cega e alienante, nunca transpõe a realidade dada, fortalecendo assim as estruturas sociais e religiosas de desigualdade e opressão.

A “jornada do herói” se constitui em uma estrutura arquetípica muito presente na maioria dos mitos. Ao evocar o herói mítico, é despertado dentro de cada um que vivência a narrativa mitológica, o herói existente arquetipicamente em todos os seres humanos. Este é o mistério que envolve a história de vida de todos os santos, profeta e dos heróis míticos. A energia que alimenta uma caminhada transgressora é pois a energia mística que faz com que o herói mítico, o santo ou o profeta encontrem forças suficientes para transformar o mundo dado, no mundo esperado.

Convido o leitor a despojar-se da densa força dogmática existente no mito do jardim de Gênesis 3, abrindo a possibilidade para múltiplas interpretações e significados. A “jornada do herói” será utilizada aqui como um roteiro de leitura bíblico, que pode também ser chamado de roteiro da mística dos santos, profetas e dos heróis, que só são assim considerados, pois foram movidos pela energia mística da transgressão rompendo com o mundo dado, possibilitando assim o mundo esperado.

Segundo Capel , a jornada do herói mítico é construída através de seis principais passos:

1. a inocência,

2. o chamado à aventura,

3. a iniciação,

4. os aliados,

5. o rompimento

6. celebração.

1. Primeiro passo: a inocência

Segundo Capel , o estado de inocência na jornada do herói mítico é uma perfeita adequação do indivíduo ao status quo. Não há nesta fase nenhum sinal dos desafios que sobrevirão. O herói arquetípico parte de um estado de inocência e relativa ingenuidade.

Ora, os dois estavam nus, o homem e sua mulher, e não se envergonhavam.

Em Gênesis 2, 25, a nudez é despojada de qualquer sentimento de vergonha, ou de desejo sexual. Pode-se afirmar portanto, que o homem e a mulher não percebiam-se sexualmente, embora estivessem nus. Entre eles não havia o outro e consequentemente o desejo do outro. Nessa introdução mitológica, a relação humana é de completa nomia social. É a vida que caiu em sua rotina. Nada acontece de novo. A ordem precisa ser mantida.

2. Segundo passo: o chamado à aventura

Capel afirma que o segundo passo da jornada do herói é marcada pela quebra da ordem do paraíso. Alguma coisa rompe os padrões e desafia o herói a submeter-se a uma prova. Este chamado pode expressar-se como uma crise, uma doença. Essa fase está relacionada ao desejo secreto que todos temos de crescer, de realizar nosso verdadeiro ser. Neste momento só há duas possibilidades: atender ou não ao chamado. Não atender implica em manter-se no estado de inocência; atender implicará em saltar no desconhecido.

A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos, que Iahweh Deus tinha feito. Ela disse à mulher: ‘Então Deus disse: Vós não podeis comer de todas as árvores do Jardim?” A mulher respondeu à serpente: ‘Nós podemos comer do fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: Dele não comereis, nele não tocareis, sob pena de morte’. A serpente disse então à mulher: ‘Não, não morrereis! Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no mal’.

Na narrativa mitológica de Gênesis 3, este é o momento em que o personagem masculino Adão é completamente afastado da narrativa. A mulher, que ainda não tem um nome, tem um grande encontro com a serpente que é o mais polêmico e ambíguo personagem desta história.

A serpente representa, entre tantas coisas, o símbolo arquetípico fálico. É uma força divina que está agora a encantar aquela mulher que vivia na apatia e na nomia do jardim. O falo que ergue-se diante de si em forma de serpente, propõe à mulher quebrar as regras que o Deus Iahweh havia estabelecido. O encontro com a serpente desperta um desejo até então contido: o desejo de ser também um Deus, o que é ativado pela pulsão da sexualidade. E qual é o maior atributo de um Deus senão a sua capacidade criadora? E criar é sempre uma atividade que envolve energia sexual. A mulher é possuída pela força fálica da serpente, que lhe dá forças suficientes para lutar contra a apatia e a nomia do Jardim. A mística transgressora é pois uma mística que envolve energia sexual. Este encontro da mulher com a serpente está envolto de grande energia sexual. O desejo, sentimento profundamente humano e sexual, é aqui despertado. Sem desejo é impossível viver a mística da transgressão.

3. Terceiro passo: a iniciação.

Segundo Capel , na jornada do herói, a iniciação se dá no momento em que o herói se depara com novos e estranhos mundos, confronta-se com a possibilidade da morte, extraindo assim dentro de si a força e a sabedoria desconhecidas para sobreviver.

A mulher viu que a árvore era boa ao apetite e formosa à vista, e que essa árvore era desejável para adquirir discernimento. Tomou-lhe o fruto e comeu.

Aqui a mulher vai ao encontro da satisfação de seu desejo. O desejo é ser também um Deus, assim como a Serpente e Iahweh o são. Para se transformar em um Deus criador, era necessário encontrar-se com a divindade da árvore do

bem e do mal, pois esta já exercia sua capacidade criadora: ela produzia frutos. A árvore pode arquetipicamente representar tanto o feminino como o masculino. A mulher apenas conhecia o feminino. Comer o fruto coloca a mulher em contato também com o masculino que fecundou a árvore e assim é iniciada na tarefa criadora, procriadora. O fruto é o resultado da sexualidade da árvore, e outras vezes pode representar o próprio ato sexual. Este encontro com a árvore do bem e do mal pode simbolicamente representar a iniciação sexual da mulher.

Na mística da transgressão não se pode evitar ou negar os opostos. Aquela mulher completamente apática e indiferente a sua sexualidade não é mais a mesma. Ela já entendeu que para ser um Deus criador, é necessário o encontro do feminino com o masculino.

4. Quarto passo: os aliados

Para Capel o herói necessita de ajuda em sua jornada, que pode ocorrer através de conselhos, de amuletos, ou pode ainda ser fruto da própria crise promovida pelo chamado ou pela iniciação. Os aliados representam reservas de sabedoria que o herói pode utilizar para enfrentar sua jornada de rompimento.

Deu-o também a seu marido, que com ela estava e ele comeu.

Na narrativa mitológica de Gênesis 3, a serpente e a árvore despertam através de sua representação fálica a sexualidade na mulher. Esta vai então encontrar-se com o homem Adão que está completamente absorvido pela lógica da apatia e nomia do jardim. É um homem sem nenhum poder fálico. Então, a mulher oferece-lhe o saboroso fruto do qual acabara de comer. O homem compartilha daquele desejo, comendo do fruto da árvore do bem o do mal. Assim, simbolicamente se torna cúmplice de toda a caminhada da mulher, que ele não percorreu. Ambos estão agora sob a lógica da árvore: podem gerar frutos, criar, procriar.

A mulher tem agora grandes aliados: a serpente, a árvore e o homem com quem pode completar-se sexualmente. Com todas estas forças que se associam ao desejo de tornar-se divindade criadora, nossa heroína está pronta para enfrentar o grande dragão desse mito: Aquele que a todos quer possuir, sem dar a ninguém a oportunidade do exercício da liberdade criadora. É a lógica do Deus Iahweh.

A mística da transgressão necessita de uma coletividade de aliados. É necessário uma comunidade fraterna entre aqueles que acreditam no novo mundo, na nova sociedade, na nova igreja.

5. Quinto passo: o rompimento

Segundo Capel apesar da ajuda dos aliados, o rompimento só pode resultar da transformação do herói e de novas habilidades. É hora de transpor o umbral do mundo dado para o mundo desejado.

Então abriram-se os olhos dos dois e perceberam que estavam nus; entrelaçaram folhas de figueira e se cingiram. Eles ouviram o passo de Iahweh Deus que passeava no jardim à brisa do dia e o homem e sua mulher se esconderam da presença de Iahweh Deus, entre as árvores do jardim. Iahweh Deus chamou o homem: ‘Onde estás?’, disse ele: ‘Ouvi teu passo no jardim,’ respondeu o homem; ‘tive medo porque estou nu, e me escondi.’ Ele retomou: ‘E quem te fez saber que estavas nu? Comeste, então, da árvore que te proibi de comer! ’ O homem respondeu: ‘A mulher que puseste junto de mim me deu da árvore, e eu comi!’ Iahweh Deus disse à mulher: ‘Que Fizeste?’ E a mulher respondeu: ‘A serpente me seduziu e eu comi.’ Então Iahweh Deus disse à serpente: ‘Porque fizeste isso és maldita entre os animais domésticos e todas as feras selvagens. Caminharás sobre teu ventre e comerás poeira todos os dias de tua vida. Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre tua linhagem e a linhagem dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar’. À mulher ele disse: ‘multiplicarei as dores de tuas gravidezes, na dor darás à luz filhos. Teu desejo te impelirá ao teu marido e ele te dominará.’ Ao homem, ele disse: ‘Porque escutaste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te proibira comer, maldito é o solo por causa de ti! Com sofrimento dele te nutrirás todos os dias de tua vida. Ele produzirá para ti espinhos e cardos, e comerás a erva dos campos. Com o suor de teu rosto comerás teu pão até que retornes ao solo, pois dele foste tirado. Pois tu és pó e ao pó tornarás.

Os olhos se abrem para aquilo que antes não se via. A pulsão sexual agora é investida de um para o outro. O homem deseja a mulher e a mulher deseja o homem. Mas eles continuam dentro da lógica do jardim. Então é necessário cobrir a genitália, para que aquilo que agora se torna visível e desejável possa ser contido provisoriamente. Adão e a mulher precisam enfrentar o poder do Deus Iahweh, que a ninguém permite viver sua possibilidade criadora. Para fazer sexo, era necessário transpor a Iahweh, era necessário transpor o portal do jardim.

O enfrentamento acontece como se fosse um grande tribunal de julgamento. Iahweh não suporta a concorrência com outros Deuses criadores. Como qualquer poder totalitário faria, Iahweh sentencia e expulsa os transgressores. A mulher, ao romper com a lógica da nomia do jardim, provoca um despertamento para a sexualidade, para a criatividade e para a liberdade de todas as criaturas.

6. Sexto passo: a celebração

Segundo Capel , a jornada termina com o retorno do herói, carregado de dádivas e de sabedoria. Ele é julgado mais sábio, mais profundo, quase divino. O herói que regressou não é o mesmo que partiu – devido, talvez ao casamento, à mudança de estado de um mortal para um Deus.

O homem chamou sua mulher ‘Eva’, por ser a mãe de todos os viventes. Iahweh Deus fez para o homem e sua mulher túnicas de pele, e os vestiu. Depois disse Iahweh Deus: ‘Se o homem já é como nós, versado no bem e no mal, que agora ele não estenda a mão e colha também a árvore da vida, e coma e viva para sempre!’ E Iahweh Deus o expulsou do jardim de Éden para cultivar o solo de onde fora tirado. Ele baniu o homem e colocou, diante do jardim de Éden, os querubins e a chama da espada fulgurante para guardar o caminho da árvore da vida. O homem conheceu Eva, sua mulher; ela concebeu e deu a luz a Caim.

A mulher passou a se chamar Eva, que significa Vida! Iahweh blefou, Eva não morreu e sim viveu – a serpente estava certa.

Adão e Eva passam a associar-se ao panteão divino, o próprio Deus Iahweh apresenta-se no plural e reconhece-os como Deuses. Aqui há um forte indício de que estamos falando de um Israel que é ainda profundamente politeísta.

O Deus Iahweh veste, então, Adão e Eva com túnicas finas, feitas de peles de animais, em um verdadeiro ritual de investidura. Vestir alguém com roupas finas é investi-lo de autoridade. Vestir Adão e Eva é parte do ritual de individuação presidido por Iahweh, onde este reconhece e investe de autoridade os novos Deuses ingressos ao panteão divino.

Os querubins são convocados para lacrar o Jardim e não permitir o acesso à árvore da vida. Parece que este é um novo blefe de Iahweh: proíbe o acesso à árvore da vida, quando a vida já está posta para Adão e Eva .

Agora, fora do jardim e de todas as forças castradoras da sexualidade humana, libertos da lógica do Deus Iahweh, a grande festa enfim vai ser celebrada: Adão e Eva se relacionam sexualmente! E desta relação nasce o seu primeiro filho chamado Caim. É a divindade de Adão e Eva atuando como Deuses criadores.

E assim se conclui a jornada da heroína Eva. De uma sexualidade completamente desconhecida, castrada, negada passa a uma sexualidade plenamente desejada, exercida, gozada e frutificada.

A profecia e a mística transgressora são elementos que se evidenciam em todos os passos da jornada do herói. A transgressão que suscita o rompimento, quinto passo da jornada, é a vocação por excelência do profeta e do místico. O profeta é um ser que destoa do status quo vigente.

O profeta é um ser incomodante, perturbador da ordem, um promovedor do caos. A transgressão de Eva foi fundamental para que o processo de individuação humana, nela representado arquetipicamente, pudesse ter acontecido. Não transgredir teria implicado em não nascer para a vida humana, para a sexualidade, para a fecundidade da terra, para a vida, enfim para a capacidade criadora. A profecia encontra em Gênesis 3 uma forte possibilidade de legitimação.

A mística transgressora que move o profeta, assim como o herói mítico e os santos, está contida dentro de todos os seres humanos como possibilidade. Para revelar esse profeta transgressor, é igualmente necessário atender ao chamado, e seguir os demais passos da jornada, que podem ser utilizados como um roteiro da mística transgressora. Eva é pois a primeira profetiza bíblica. Seu exemplo de indignação inspirou e tem inspirado muitos outros homens e mulheres a seguirem a mesma jornada profética, alimentados pelo mais profundo desejo de transformar o mundo dado no mundo desejado.

OUTRAS REFERÊNCIAS:

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ELIADE, M. Imagens e símbolos: ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso. Trad. Sonia Cristina Tamer. São Paulo: Martins Fontes, 1971.
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JUNG, C. G. Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo. Petrópolis: Vozes, 1986.
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______. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 3ª ed., Petrópolis: Vozes, 2003.
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OTTO, Rudolf. O sagrado. São Bernardo do Campo, Imprensa Metodista, 1985.
RICOUEUR, P. O conflito das interpretações. Trad. M.F. Sá Correia. Porto – Portugal: RÉS, 1988.
ULSON, G. O método junguiano. São Paulo: Ática, 1988.
VERGARA, Elias Mayer. Fora do jardim! Uma leitura psicanalítica de Gênesis 3. Goiânia: Universidade Católica de Goiás, 2005.
VIORST, J. Perdas Necessárias. São Paulo: Melhoramentos, 1999.
WEIL, P. ; TOMPAKOW, R. O corpo fala: a linguagem silenciosa da comunicação não verbal. Petrópolis: Vozes, 1982.
WHITMONT, E. C. Retorno da Deusa. Trad. de Maria Silva Mourão. São Paulo: Summus, 1991.

ABORTO SIM, CASTRAÇÃO NÃO.


Os dados quantitativos de abortos no Brasil e na América Latina são alarmantes. Pensar que no Brasil tem mais de 1 milhão de seres humanos ao ano que são impedidos de viver antes nascerem, nos impõem uma grande reflexão sobre nossa responsabilidade nesse complexo mundo em que vivemos.

Recentemente uma pesquisa socioeconômica do IPEA, divulgada na mídia em maio de 2008, vem reafirmar aquilo que já é de nosso conhecimento histórico brasileiro: 75% das riquezas brasileiras estão nas mãos de apenas 10% da população.

O acúmulo de riquezas, como se sabe, é sempre gerador de miséria, doenças e morte. Quando se imagina que 90% da população brasileira terão de viver com apenas 25% da riqueza sobrante, mudamos completamente o eixo da consciência que se necessita ter para preservação da vida humana e da vida de nosso planeta.

Pouco se pergunta a respeito da possibilidade de vida daqueles milhares de bebês, que nascidos (não abortados portanto) não conseguem atingir o seu primeiro ano de vida, em função da miséria e da fome, a que são submetidos por essa grave e pecaminosa concentração de renda que muitas vezes é legitimada pela nossa conduta cristã ocidental.

E quando se defende ardentemente o direito a vida ao que ainda não nasceu e não se permite o mesmo direito a quem já é uma existência, estamos diante de uma grande retórica que possui profundos comprometimentos com uma negação da sexualidade pelo prazer/gozo e um grande descaso a respeito da vida daqueles que a concentração de renda (inclusive das Igrejas) não permite festejar o primeiro ano de sua existência.

Atrás dos 1 milhão e meio de abortos ano que ocorrem no Brasil, existe uma grande culpa social e uma grande responsabilidade das famílias, escolas, Igrejas e estado como um todo, que não cooperam para que haja desde a tenra idade, educação e acessibilidade aos métodos anticoncepcionais. A sexualidade sempre foi vista pela tradição cristã como apenas uma tarefa da procriação humana. O prazer do gozo do sexo nunca foi estimulado. Contra o gozo se fortaleceu a idéia da castração

A castração da sexualidade tem vitimado muito mais homens e mulheres do que as práticas abortivas. Por que o prazer conflita com o poder? O grande "falus" das instituições religiosas querem sempre sufocar o gozo dos indivíduos. Jovens, homens, mulheres, padres, bispos, papas, pastores, reverendos, freiras, frades, pobres, ricos, todos precisam gozar e desfrutar do sexo como uma das grandes fontes de prazer - talvez para a grande maioria de empobrecidos, a única fonte de gozo.

Se o cristianismo se preocupasse menos com o controle da sexualidade de seus fiéis, quem sabe poderia preocupar-se mais com seu papel profético, onde com forte atuação poderia cooperar para um grande projeto de distribuição de renda, que traria junto de si uma revolução educacional, onde cada qual teria a possibilidade de planejar sua prole e de incorporar TODOS os métodos ante-conceptivos, impedindo assim essa desenfreada prática abortiva.

Enquanto o feto estiver sendo gestado, é a mãe deste “ainda não ser” que deve decidir pela sua existência ou não. A mulher precisa ser respeitada no seu direito de abortar ou não. O CORPO DA MULHER PRECISA SER RESPEITADO. Pois será ela o colo e o principal seleiro de onde o recém-nascido irá buscar a força para se construir como pessoa, como ser humano, como cidadão.

Por Elias Mayer Vergara, OST.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

CANTARES: literatura pornográfica dos pastores e pastoras de outrora.


Esta é tua estatura,

semelhante à tamareira

e teus seios a cachos.

Eu disse: “Subirei na tamareira

pegarei nas suas tâmaras”,

e que sejam teus seios

como cachos

e o cheiro do teu nariz,

como o das maçãs

e o céu da tua boca como vinho bom,

indo para o meu amado verdadeiramente,

escoando dos lábios adormecidos.


Eu sou para meu amado

e sobre mim está o seu desejo.

Vai meu amado,

sairemos pelo campo,

passaremos a noite entre os ciprestes.

Madrugaremos para ir para as vinhas,

vejamos se floresceu a videira,

as abriu o rebento e se floresceram as romãs.

Lá darei,

meu amor para ti.

As mandrágoras deram seu perfume

diante de nossas portas todas as delícias,

novas, também velhas,

meu amado, guardarei para ti.

(Cantares 7, 8-14)





Nosso título deve ter assustado a quem está acostumado à leituras teológicas, exegéticas e pastorais. Como poderemos imaginar que dentro do livro sagrado exista uma literatura pornográfica?

Peço que não se escandalizem ao ponto de não ler estas linhas que nos vêem de um olhar muito mais psicanalítico do que teológico e exegético.

Assim me perdoem os teólogos e os exegetas, pois eu vou cometer alguns pecados ao lidar com este texto sagrado.

Minha pesquisa bíblica segue um outro caminho bem diferente daquele que estamos acostumados na academia e nos seminários. Aqui confesso o meu primeiro pecado: não dou tanta importância ao método histórico crítico, mesmo reconhecendo a sua grande contribuição para o entendimento de alguns textos. Estou convencido de que a Bíblia está muito mais marcada pela mitologia do que pelos relatos históricos.

Começo minha pesquisa de Cantares usando um recurso fabuloso que hoje a internet pode nos disponibilizar: as imagens! Selecionamos uma palavra e o computador vasculha o mundo inteiro, e nos traz em segundos as imagens que foram colocadas na rede que ilustram a palavra de nosso interesse. Isso é incrível! Fiz então esta pesquisa com Cantares. E qual a minha surpresa? Não há quase nenhuma representação iconográfica deste bonito livro da Bíblia. Raras são as imagens que ilustram o livro de Cantares. Tente você mesmo e verifique como são raras as imagens que ilustram o conteúdo deste livro na internet. Não achei este texto ilustrando o interior de igrejas ou de catedrais, como é comum com vários outros textos bíblicos.

Fiquei me perguntando o por quê? E percebi que o livro de Cantares é também muito pouco lido nos cultos e celebrações de nossas igrejas cristãs. Então fiquei imaginando como seria fazer um filme de Cantares, ou então escrever uma história em quadrinhos de Cantares, ou então pintar as principais cenas deste livro em uma bonita catedral. O resultado seria: a PORNOGRAFIA !

Não se assustem. A palavra pornografia tem haver com imagens da prostituição. Isso mesmo. Imagens ou textos que nos remetem a uma sexualidade proscrita, a uma sexualidade desencaixada, a uma sexualidade marginal. Assim me parece ser a literatura de Cantares. Um texto tão desencaixado, tão proscrito, tão marginal que nem mesmo a iconografia ousou representa-lo no interior das igrejas. Imaginemos uma peça teatral representando as cenas descritas em Cantares e imaginemos este teatro sendo apresentado no lugar da leitura da palavra, dentro do culto evangélico ou da missa católica...! Impossível representar este texto bíblico, sem abrirmos à caixa lacrada dos desejos humanos, ligados a libido, a sexualidade corpórea, libertando a energia erótica humana.

Assim, por séculos, este conteúdo pornográfico foi censurado das mais diferentes formas. Alguns disseram que os personagens deste texto, não são humanos, representam a Igreja e o Deus Javé. Outros simplesmente ignoram este livro, como se ele não existisse.

Parece que é exatamente assim que fazemos com a literatura pornográfica. Ela faz parte da vida da maioria das pessoas. Ajuda nos processos de iniciação sexual de meninos e meninas, ajuda a libertar desejos proibidos em jovens, adultos e em idosos. Ajuda a libertar fantasias sexuais. Enfim, a literatura pornográfica tem um papel muito positivo no desenvolvimento e na vivência sadia da sexualidade humana. E a sua marginalidade só confirma a profunda crise que sempre viveu a humanidade cristã: a distância dos desejos sexuais e a possibilidade real de sua satisfação.

Assim me permito imaginar que a literatura contida em Cantares é uma literatura do amor erótico marginal do tempo dos pastores e das pastoras. Em Cantares se fala de sexualidade explícita. A transa não tem limites de lugar, de padrões institucionais, ou de preceitos religiosos. Não se fala em Deus neste livro, pelo menos não no Deus que castra e que domina – um livro secular. E os protagonistas da sexualidade em Cantares não são casados, são solteiros. E em sua solterice, se permitem o exercício da sexualidade sem limites, sem fronteiras. Cantares fala o tempo inteiro dos seres humanos e de suas necessidades mais ocultas e profundas – os desejos e fantasias eróticas marginais, é neste sentido uma literatura pornô - gráfica.

Se você conseguiu me acompanhar até aqui, lhe convido agora a fazer uma visitação em nossa literatura poética brasileira da MPB, onde busco uma música bastante polêmica que mexe com os nossos conceitos de amor, sexualidade, sagrado e profano.

Amor é um livro - sexo é esporte

Sexo é escolha - amor é sorte

Amor é pensamento - teorema

Amor é novela - sexo é cinema

Sexo é imaginação - fantasia

Amor é prosa - sexo é poesia

O amor nos torna patéticos

Sexo é uma selva de epiléticos

Amor é cristão - sexo é pagão

Amor é latifúndio - sexo é invasão

Amor é divino - sexo é animal

Amor é bossa nova - sexo é carnaval

Amor é para sempre, sexo também

Sexo é do bom... Amor é do bem...

Amor sem sexo é amizade

Sexo sem amor é vontade

Amor é um, sexo é dois

Sexo antes, amor depois

Sexo vem dos outros,

E vai embora

Amor vem de nós,

E demora

Amor é cristão - sexo é pagão

Amor é latifúndio - sexo é invasão

Amor é divino - sexo é animal

Amor é bossa nova - sexo é carnaval

Amor é isso, sexo é aquilo

E tal e coisa... e coisa e tal

(Amor e o sexo – Rita Lee, Roberto de Carvalho e Arnaldo Jabor)


Quantas perguntas nos trazem esta pequena poesia. Sempre nos foi ensinado que o sexo só pode ser vivido se for com amor. E em nossas igrejas cristãs não se fala em sexo, só em amor. Quem cuida então da sexualidade ?

- É justamente a pornografia! Admitamos ou não, todo o bom cristão já fez algum acesso a farta literatura pornográfica disponível nas bancas de revistas, nos filmes do cinema, ou nos computadores domésticos.

Por que se tem tanto medo de aproximar a religião da sexualidade? Vejamos o que a música acima nos diz sobre o sexo - ele é: um esporte, escolha, do escurinho do cinema, mexe com a imaginação e a fantasia, é uma selva de epiléticos, é pagão, é invasão, é animal, é carnaval, é para sempre, é bom. Em resumo: sexo não se controla, não se domestica.

No mundo sagrado cristão não fala em sexo, pois a prática livre da sexualidade promove a libertação mais ampla do ser humano. Logo se conclui que as práticas religiosas que castram as pessoas pretendem impor um processo constante de domesticação e submissão, tornar o ser humano “fiel”.


A libertação da literatura pornográfica


A literatura pornográfica é muito mais extensa e bem elaborada, do que podemos imaginar. Tem uma longa história de grandes intelectuais que dedicaram as suas vidas a produzir a linguagem que fala para os desejos mais internos e íntimos dos seres humanos. Esses desejos estão sempre contidos de forma muito segura em nosso inconsciente. Ali moram todas as nossas fantasias que se constituem, ao longo de nossa história de vida, onde acumulamos profundas e intensas frustrações. Libertar esses sentimentos que estão tão bem guardados em nós, é sempre perigoso, pois quando ganham a realidade, empoderam os homens e mulheres, com muita energia que lhes permite promover coisas que antes não se permitiam.

A literatura pornográfica cumpre um papel muito semelhante ao das bebidas que embriagam as pessoas. Liberta a libido, liberta os desejos, liberta o ser humano para o novo e para o gozo. Talvez por esta razã as Igrejas de uma forma geral, condenam tanto a pornografia e as bebidas alcoólicas. Pois não desejam de fato libertar o ser humano, e sim fazer-los fiéis, no sentido de obedientes, pacíficos, ordeiros.

Não pretendo aqui fazer um longo histórico da literatura pornográfica, pois esta pesquisa está disponível na internet para quem desejar continuar a aprofundar este tema. Não se sinta constrangido ou constrangida, pesquise sobre a história da literatura pornográfica e você vai ser surpreendido(a) com o um universo altamente libertário contido nesta produção humana.

Quero apenas sugerir que possamos olhar para o nosso texto sagrado, com um pouco mais de malícia, com um pouco mais de desejo sexual, com um pouco mais de interesse no prazer carnal, que levam as pessoas a gozarem e serem felizes - plenas.

Por esta razão trago aqui uma poesia pornográfica que encontrei em meio a tantas coisas espetaculares que estão sendo produzidas. Viajando pelo “youtube”, na internet, encontrei Elisa Lucinda, uma grande poetisa brasileira contemporânea que precisa ser conhecida em seu todo, para que possamos entender que a sua poesia pornográfica é altamente libertária e desmascara nossa hipocrisia cristã, que tenta negar o tempo inteiro o nosso desejo, as nossas fantasias.

Passam muitas pessoas no saguão dos aeroportos.

Passam neste aeroporto da agora,

e eu, no meu pensamento,

não me comporto, imagino elas fodendo:

fulano com fulano,

são casados, gozam, fazem planos?

E ela, quer logo que acabe?

E ele, penetra rosnando?

Fantasio as inúmeras possibilidades de encaixes,

em como foram as noites de amor que tiveram para fazer essas

crianças chinesas africanas alemãs francesas mexicanas libanesas

brasileiras cabo-verdianas espanholas cubanas holandesas

senegalesas turcas e gregas.

(meu pensamento é inconveniente mas ninguém sabe, escrevo num café, estou, por fora, muito chique no cenário e nitidamente estrangeira.)


Agora passam dois homens.

Sentam à mesa ao lado.

Falam germânico mas a tradução é da mais alta putaria,

Uma iguaria da mais pura sacanagem!

Eu sei, são gays. Eles não sabem que eu sei.

Pensam que escrevo o abstrato

E capricham descansados ao colo do idioma que não alcanço.

Mas sou poliglota na linguagem dos olhares,

cílios a mais antiga cortina do mais antigo teatro

na pátria universal dos gestos, meu bem!

Eles não escapam.

Um chupa muito o outro, que eu sei,

e o magrinho gosta de dar por cima e de lado.

Importante dizer que dentro desse meu pensamento safado

também não tem pecado.

Só me diverte

Ver o que todos negam,

O que não se diz no social,

Uma radiografia verbal da intimidade alheia é o que faço aqui,

Sem que ninguém suspeite,

Sem ninguém me permitir.

Aquele tem pau pequeno e, pior que isso,

e, mais que suas parceiras, acha isso um problema.

Aquele ali também tem, mas arde na cama e se empenha muito

compensando a diferença.

Aquela, num outro esquema,

diz não gostar da coisa

e fala sem parar.

Só uma pirocada de jeito para fazê-la calar.

A gostosa gordinha engole a espada todinha

daquele altão desajeitado,

cujo grosso membro se torna,

em meio às coxas dela, disfarçado.

E o velhinho punheteiro

De pau mole com jornal no colo?

Talvez seja o único a adivinhar o teor dos meus escritos,

dado que me olha dissimulado e constante

de modo a nunca perder meus segredos de vista.

(Com licença mas é dessa matéria hoje minha poesia)

Enxerida, vejo a mulher com cabelo cortado à la moicano

Com a menina que iniciara a tiracolo,

Feliz sem ser por ela lambida

E sem saber no que estou pensando.


Passam as pessoas

no saguão do aeroporto,

fingem que fazem check-in

fingem viajar sérias e de férias,

fingem estar trabalhando...

mentira,

pra mim ta todo mundo trepando! (LUCINDA, 2006)


Que bom que você deu conta de chegar até aqui. Acho que algumas pessoas já nos abandonaram no início deste artigo. Mas sempre tem alguém que se interessa pela pornografia. É aquele sentimento do proibido que vai despertando o interesse e então vamos nos permitindo transgredir aos padrões estabelecidos e pouco a pouco, vamos libertando os nossos grandes e pequenos desejos internalizados em nossa alma. Não deveria a religião fazer justamente isso: libertar os desejos da alma? Fazer as pessoas felizes? Permitir e estimular o gozo e o prazer humano?

O saguão do aeroporto de Frankfurt, cenário por onde Elisa Lucinda desnuda os sentimentos de desejo e de gozo, contidos das pessoas que por ali circulam, pode ser qualquer outro lugar. No ambiente de trabalho, no passeio pelo parque, na festinha de aniversário, no escurinho do cinema, no jogo de futebol, nas reuniões do partido político, nos grandes comícios, nas reuniões de culto ou da missa. Em qualquer lugar e em qualquer tempo, vamos sempre encontrar seres humanos desejosos e ávidos pela satisfação de seus desejos. Assim sendo faça você mesmo o exercício de imaginar como Elisa Lucinda, as mais variadas tramas de amor e de sexo que estão contidas nos gestos, nos olhares, nas palavras que vamos proferindo por aí em qualquer lugar.

Agora convido você a voltar ao texto bíblico de cantares. Leia-o atentamente e faça como Elisa Lucinda, deixe que a sexualidade seja liberta na trama literária do amado e da amada. Com olhares mais pornográficos se verá que não é possível ler Cantares, sem que nossa sexualidade seja também envolvida, despertada. E então Cantares nos ajuda a nos tornarmos seres desejantes, eróticos, prontos para o amor e também para o sexo.

Assim podemos construir um novo olhar para muitos outros textos da Bíblia. Você mesmo poderá eleger algum texto de sua preferência. Basta haver pessoas se relacionando, poderemos ver ali a sexualidade humana sendo despertada e despertando as pessoas para a vida, para o gozo, para o prazer e para a liberdade.

Portanto a Bíblia é sim um livro sexuado. Pois ela retrata a história do cotidiano de homens e mulheres, jovens e crianças, gays e lésbicas, prostitutas e prostitutos, adúlteros e adúlteras. Fico pensando como seria oportuno que em cada trabalho exegético que fazemos de algum texto da Bíblia, pudéssemos agregar a pergunta sobre a sexualidade humana contida naquele texto. Com certeza faríamos grandes descobertas, e nossos preconceitos no campo da sexualidade começariam a ser desconstruidos.

Por isso recomendo que façamos muitos exercícios de leitura pornográfica. É claro que como toda a literatura existem produções de boa e de péssima qualidade. O juízo será nosso. Mas façamos o exercício. Nossa pequena caixinha de desejos escondidos a sete chaves, começará a ser libertada e vamos ver que muitas coisas que vemos nos outros, como comportamento inadequado, também está contido em cada um de nós.

Vamos ler Cantares não só com os olhares dos santos e dos religiosos, nem só com os olhares dos bem casados. Vamos entrar neste livro com os olhares de nossos mais íntimos desejos e fantasias sexuais e eróticas. Assim descobriremos que nossos desejos tão duramente condenados e pecaminalizados, são desejos humanos, de pessoas humanas que almejam a completude, de carinho, de amor e de sexo – “para que o meu gozo permaneça em vós, e o vosso gozo seja completo” (João 15,12)



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