segunda-feira, 26 de abril de 2010

VISÕES RELIGIOSAS ALTERNATIVAS SOBRE SEXUALIDADE


Ao postularmos discutir o tema das visões religiosas alternativas sobre sexualidade, pode parecer que partimos da premissa de que há uma prática oficial religiosa da sexualidade, predominante e socialmente aceita, e tudo quanto não se enquadra nesta religiosidade oficial se torna prática alternativa, de oposição, paralela.
Não se pretende trabalhar aqui com a categoria alternativa em oposição à categoria oficial. Portanto, o alternativo não será considerado como antítese ao oficial que, em um movimento dialético, sempre resulta em uma nova síntese, ou seja, o alternativo somente o é em função das circunstâncias históricas, mas deixa de sê-lo quando os dados da realidade são alterados, transformando-se, em um outro momento, no oficial.
No bonito universo das cores, o branco é a antítese do preto, mas não sua alternativa. A alternativa a qualquer cor são milhares de possibilidades de outras cores que, quanto mais se misturam, maior será o número de matizes criados. Nenhuma cor pode substituir a outra. Cada cor é única.
Assim se pretende trabalhar a idéia de alternativa: uma experiência que não se coloca em simples oposição àquilo que é a prática oficial, antes constitui uma novidade, uma descoberta, um novo caminho. Neste sentido o alternativo necessita sempre de sua autonomia, de sua independência e de sua energia própria. Se o alternativo se torna oficial, perde a sua autonomia, pois sofre um processo de enquadramento e passa a necessitar da força de outrem para se sustentar.
Então a religiosidade alternativa não é aquela que simplesmente se opõe à religiosidade oficial. A religiosidade alternativa é aquela que propõe uma experiência nova, inédita, insubstituível, que não precisa da força de outrem para legitimar-se.
Para iniciarmos esta apreciação das visões religiosas alternativas acerca da sexualidade, vamos visitar um mito muito antigo que tanto alimentou a oficialidade dogmática judaica como também a oficialidade dogmática cristã. Trata-se do mito do Jardim do Éden, que delimito entre Gênesis 2. 42 – 4.1

1. Mito do Jardim: obediência X transgressão

A narrativa mitológica contada a partir do seu final nos diz:
Adão e Eva, fora do Jardim, fizeram sexo e desta relação de amor nasceu o seu primeiro filho. Este primeiro orgasmo da vida humana mitológica só foi possível porque Adão e Eva transgrediram a ordem de Javé e foram expulsos do Jardim. O decreto de expulsão de Javé ocorreu porque Eva e Adão tiveram, dentro do Jardim, desejo sexual um pelo outro. Este desejo nasceu em razão de terem comido do fruto da árvore do bem e do mal, que lhes era proibido e lhes foi ofertado por um Deus concorrente, em forma fálica de Serpente, o qual despertou neles o desejo da sexualidade. Antes do desejo, a vida de Adão e Eva era sem graça, eles não tinham identidade, ficavam nus um diante do outro e nada sentiam. Esta castração era promovida pela lógica da ordem e da obediência cega imposta por Javé dentro do Jardim. Ficar no Jardim significaria morrer. A vida em plenitude estava fora dele.
É possível perceber nesta narrativa que há uma grande alternativa religiosa que mora fora do Jardim e não dentro dele. Esta alternativa proposta pelo Deus Serpente, alimentada pelo sentimento do desejo, fez romper não só com a ordem imposta pela tirania do Deus Javé, mas também lhes permitiu desfrutar da sexualidade e, mais ainda, lhes abriu o portal para um novo mundo, muito mais amplo do que a morada restrita e restritiva do Jardim.
Este mito foi densamente manipulado tanto pela tradição judaica como pela tradição cristã, no sentido de transformar a atitude positiva de transgressão de Eva e Adão em uma atitude negativa de pecado. Assim, com a idéia de pecado e queda da humanidade, este mito foi utilizado pelas instituições religiosas para legitimarem a sua existência através do ato mágico pelo qual as Igrejas perdoam os pecados e salvam as pessoas de sua originária condição de perdidos. Sem o pecado e a queda humana não haveria necessidade da religião.
Ver que o ápice da narrativa do mito do Jardim é a conquista da sexualidade e do direito reprodutivo abre um caminho de compreensão de que, já nos antigos mitos bíblicos, temos a proposição de práticas religiosas alternativas que vêem a sexualidade como positiva e central na vida humana.
A serpente, que foi no mundo cristão e judaico tão demonizada, é aqui no mito do Jardim quem de fato tem a postura ética em relação à verdade e à vida. O Deus Serpente diz que, ao comerem do fruto da árvore do bem e do mal, os seres humanos não vão morrer e, de fato, não morreram. Foi o Deus Javé quem mentiu, quem faltou com a ética. Sem a intervenção desta religiosidade alternativa, Adão e Eva nunca teriam existido como indivíduos e nunca teriam saboreado as delícias da sexualidade humana. Seus filhos não teriam nascido e o novo mundo não teria sido conhecido.
É impossível perceber a atitude de Adão e Eva como positivas se entrarmos na lógica da tradição dogmática que sempre viu na serpente (o demônio) uma oposição a Javé. Vendo a Serpente como um Deus concorrente tudo muda. O projeto de Javé é controlar e restringir todas as possibilidades humanas ao pequeno mundo do Jardim. Para o Deus Serpente, a liberdade é o seu dogma e o exercício pleno da sexualidade, no mundo fora do Jardim, o seu grande objetivo.
O mito do Jardim nos mostra que, quanto mais hegemônica e totalitária for a postura de qualquer instituição, sempre haverá possibilidades de romper com esta lógica. Viver sob a lógica do Jardim ou romper com esta lógica: eis aí o grande desafio humano.

2. Eva e Maria: barrigas transgressoras

Busco novamente na Bíblia dois exemplos que ajudam a entender a dinâmica da transgressão como construção do alternativo. Eva e Maria possuem histórias muito semelhantes. Ambas estão inseridas na literatura mitológica. O nascimento de Jesus e o nascimento de Caim são narrativas que ocorrem em um cenário onde o céu e a terra se encontram, os seres divinos falam com os seres humanos e coisas absurdas acontecem. Assim são os mitos. Eva vê além do Jardim. Maria vê além da Galiléia. Esta visão que o senso comum não consegue ter só é possível quando se escuta a voz de um Deus concorrente.
A narrativa mitológica de Eva e Maria são muito semelhantes às narrativas mitológicas dos grandes heróis. Todos eles passam por uma jornada de vida que segue um roteiro semelhante: 1. A inocência. 2. Chamado à aventura. 3. A iniciação. 4. Os aliados. 5. O rompimento. 6. A celebração.
Eva e Maria viviam em um mundo apático, completamente conformadas com as leis de sua comunidade e com as forças religiosas que definiam como as pessoas deveriam se comportar. A Serpente que visita Eva e o anjo que visita Maria lhes trazem uma proposta de grande aventura: o exercício da sexualidade fora dos padrões estabelecidos. As divindades que lhes visitam despertam a energia adormecida do desejo, do gozo e do prazer. Iniciam, então, a sua jornada em busca de aliados. Eva tem a serpente e a árvore. Maria tem o anjo e sua parenta Isabel. Adão e José são arrastados pela força pulsante do desejo de suas mulheres a se tornarem também aliados. Eva comeu do fruto proibido, Maria ficou grávida antes do casamento. Essas atitudes transgressoras são alimentadas por divindades concorrentes à divindade da religião oficial e, por esta razão, Eva e Maria são banidas de sua comunidade. Eva é expulsa do Jardim, Maria vai refugiar-se na casa de sua parenta Isabel. Assim, Eva e Maria carregam no ventre o fruto proibido, concebido pela energia da transgressão. A humanidade, mitologicamente falando, está para nascer do ventre de Eva, um novo Deus está para nascer do ventre de Maria.
Eva e Maria experimentaram uma visão religiosa alternativa que lhes permitiu também inaugurar uma relação sexual fora das normas e padrões de seu tempo mitológico.
Na Bíblia podemos encontrar muitos outros mitos que podem ser lidos na perspectiva da jornada do herói. Porém, o herói mítico está contido dentro de cada um de nós. Se ouvirmos e aceitarmos o chamado que vem a nós em vários momentos de nossa vida e se percorrermos a jornada até o seu final, cresceremos, ficaremos cada vez mais parecidos com o criador, libertando outros Deuses que possam atuar na significação de nossas vidas.

3. Ecumenismo: a casa comum onde o incomum pode habitar

Não é possível falar em visões alternativas religiosas sobre sexualidade sem falar nos mais diferentes movimentos ecumênicos existentes em nosso continente latino-americano e no mundo.
A palavra ecumenismo tem sua origem no vocábulo grego oikoumene. Este, por sua vez, é derivado da palavra oikos, que significa casa, lugar onde se vive, espaço onde se desenvolve a vida doméstica, onde as pessoas têm um mínimo de bem-estar. No Novo Testamento, esta palavra é usada em várias ocasiões (ver Mateus 24.14; Lucas 2.1; 4.5; 21.26; Atos 11.28; Romanos 10.18; Hebreus 1.6; 2.5; e Apocalipse 12.9) para se referir ao "mundo inteiro", a "toda a terra" e também ao “mundo vindouro”.
Quando se fala hoje que algo é ecumênico, atribui-se um significado que quer abranger a toda espécie humana, um sentido universal. Esta universalidade engloba pelo menos as seguintes dimensões: geográfica (se estende a todos os lugares e recantos da terra), cultural (envolve os povos de diversas culturas ou modos de viver), política (considera todos os povos, independentemente do sistema político em que vivam), gênero (supera as discriminações de gênero ou identidade sexual), social (supera as discriminações sociais e de classe) e racial (supera as discriminações raciais ou as decorrentes da cor da pele).
O Conselho Mundial de Igrejas (CMI), o mais antigo movimento ecumênico internacional, fundado em 1948, em Amsterdam, Holanda, congrega 340 Igrejas e denominações que representam mais de 500 milhões de fiéis presentes em mais de 120 países. Outra instituição ecumênica relevante é o Conselho Latino Americano de Igrejas – CLAI, fundado em 1982, que congrega mais de 150 entidades e Igrejas protestantes e pentecostais presentes em 21 países da América Latina e do Caribe. No Brasil existe uma grande articulação ecumênica chamada Fórum Ecumênico Brasil (FE Brasil), composta de doze instituições ecumênicas participantes – Cebi, Ceca, Cediter, Cese, Cesep, Clai Brasil, Conic, Creas, Diaconia, Gtme, Koinonia e Unipop.
É exatamente neste intenso movimento de unidade das mais diferentes tradições religiosas que a temática de gênero, direitos sexuais e direitos reprodutivos surge de forma libertária e alternativa, diferente daquilo que cada denominação em particular consegue realizar no interior de suas instituições, nas quais a sexualidade ainda é um tabu. A instituição Igreja funciona como controladora e repressora de tudo quanto está ligado ao corpo.
O ecumenismo, que propõe a unidade na diversidade, abre o espaço para o diálogo com as mais diferentes posturas religiosas, bem como dialoga também com as grandes questões humanas, ausentes na maioria dos discursos teológicos particulares das instituições. Foi exatamente o movimento ecumênico que trouxe para o interior das Igrejas as primeiras discussões sobre a AIDS. A partir daí elas foram obrigadas a colocar em pauta o tema da sexualidade, mesmo que inicialmente pelo viés da saúde. Diversos programas foram inaugurados no meio ecumênico para enfrentar o desafio que a AIDS promoveu no mundo inteiro. Abriu-se, então, o baú da sexualidade dos fiéis crentes católicos e evangélicos por tanto tempo enclausurado. Centenas de grupos no mundo afora começaram a discutir o tema da sexualidade. Inicialmente apenas como um remédio preventivo contra a AIDS, mas pouco a pouco entraram em pauta os temas ligados a controle de natalidade, uso de preservativos e direito ao desfrute da sexualidade motivado pelo desejo e pelo prazer. A homoafetividade também ganhou espaço de ampla discussão no mundo ecumênico. Nos mais diferentes programas de educação sexual, o livro sagrado abriu-se com muito maior frequência no texto do Cântico dos Cânticos, no qual homem e mulher tematizam a sexualidade não apenas reprodutiva, mas também aquela em que se desfruta do prazer e do gozo humano.
O mundo ecumênico passou então a ser o espaço “Fora do Jardim” onde fiéis das mais diferentes tradições cristãs e não cristãs podiam, com muito maior liberdade, buscar outros conhecimentos vindos do campo da psicologia, psicanálise, medicina, sociologia, antropologia e da pedagogia. Desse modo, alcançavam ferramentas para o controle da natalidade, para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, para o exercício da sexualidade como fonte de prazer, enfim para o encontro com a autonomia sexual humana.
No mundo ainda muito novo do ecumenismo (apenas 60 anos), está se formatando uma nova conduta religiosa a respeito da sexualidade humana. Aqui se pode constatar aquilo que Juan Marco Vaggione afirma nas conclusões de sua palestra intitulada: Risco - despolitizar o pluralismo religioso, que “as religiões vão se reconstruindo desde os seus fiéis de maneira criativa e libertadora. Mesmo que as hierarquias insistam com posturas rígidas e dogmáticas, os fiéis vão moldando novas e complexas formas do ser religioso, muitas das quais são compatíveis, ou geradas pelo feminismo e a diversidade sexual” (2009, p. 31 ).
Estes 60 anos de ecumenismo ajudaram a colocar na pauta de discussão das Igrejas não apenas os direitos sexuais e reprodutivos, como também as relações de poder que, por séculos, foram determinadas pelo patriarcalismo clerical e leigo. Muitas Igrejas do campo evangélico, desde as tradições históricas vindas da reforma do século XVI até os mais recentes movimentos neo-pentecostais, foram abrindo espaços para a mulher assumir também o sacerdócio e o comando político das Igrejas, tanto no nível local e regional como no internacional. Nestes 60 anos, começamos a ter, na intermediação do sagrado, vozes femininas que assumiram os púlpitos e começaram também a presidir a Santa Ceia do Senhor. As comunidades que agora são dirigidas por mulheres pastoras, reverendas e bispas estão experimentando uma nova era religiosa, em que o sagrado nos é trazido por mãos de mulheres, que namoram, desfrutam do prazer e do gozo de sua sexualidade, ficam grávidas, dão à luz e seus filhos são o resultado dessa religiosidade que cuidadosamente uniu o sagrado com o sexual. Ao ingressarem nos altares dos mais diferentes templos, as mulheres carregam consigo, para o lugar sagrado, a sua sexualidade antes profanada e pecaminalizada. O sagrado do mundo cristão, agora em mãos femininas, ficou mais sedutor, mais atraente, mais sexy. O sagrado agora pode ficar grávido de verdade. Assim, se o sagrado também tem sexualidade, faz amor, goza, então o gozo e o prazer sexual de qualquer ser humano pode ser sagrado, pode ser divino.
Outra grande alternativa religiosa que tem sido forjada pelo movimento ecumênico é a conquista da população LGBTQ em garantir de igual forma espaços de respeito e de acolhimento no interior das mais diferentes expressões religiosas. Nas academias teológicas, nos grandes debates ecumênicos, o tema da homoafetividade está cada vez mais encontrando interlocutores que buscam, no plano teórico e prático, combater toda e qualquer forma de homofobia. Assim como as mulheres alcançaram os direitos político-religiosos dentro das mais diferentes tradições, os LGBTQ também começam a se apropriar dos lugares sagrados de suas religiões. Sabemos que, em todas as religiões ao longo da história da humanidade, os LGBTQ sempre estiveram presentes tanto em meio aos clérigos como em meio aos leigos. Porém, a novidade trazida pelo mundo ecumênico é que esta presença passa a ser assumida abertamente e assim começa a ganhar respeito e reconhecimento. Temos hoje pastores(as), reverendos(as) e bispos (as) no campo religioso cristão que se assumem e que são assumidos por suas Igrejas como homossexuais. Se a dinâmica da emancipação das mulheres levou as Igrejas à compreensão de que é possível nos pautarmos por um Deus feminino, assim também se vê que, no caminho da autonomia da população LGBTQ, pode-se também pautar por um Deus Gay. Assim uma nova prática religiosa vai sendo construída: são as comunidades inclusivas, onde todos os segmentos da sociedade podem se encontrar e serem aceitos e aceitas de forma completa e plena.

4. Comunidades alternativas: inclusividade x exclusividade

Retomo aqui a discussão proposta na abertura deste pequeno ensaio: entendo que o alternativo não é necessariamente o oposto ou a antítese do oficial. Em muitas circunstâncias o alternativo é apenas uma outra possibilidade. É possível se ver em algumas experiências religiosas o alternativo em construção:
As Igrejas cristãs Gays – Como muito bem nos demonstrou Juan Marco Vaggione, em seu texto Sexualidade, Religião e Política na América Latina (2009), cresce na América Latina o número de Igrejas exclusivas para a população LGBTQ. Esta é uma tentativa extremamente válida, porque é resultante da profunda experiência de exclusão religiosa vivida pelas pessoas homoafetivas. Porém, a nosso ver, não alcança a energia de ser uma experiência completamente alternativa, pois também se torna excludente ao priorizar a população homoafetiva. Uma comunidade exclusiva de LGBTQ tem grandes dificuldades no processo maior de inclusão humana, pois não tem a riqueza dos diferentes grupos humanos, não contempla o desafio mais amplo do ecumenismo: unidade na diversidade. Como podemos lutar contra a homofobia se não damos oportunidades aos homofóbicos de fazerem acontecer verdadeiros encontros humanos com quem é homoafetivo? Como se pode acabar com os preconceitos ligados à sexualidade privilegiando o gueto, impossibilitando os preconceituosos de se enfrentarem com os sujeitos reais e humanos vitimados por eles?
No terreiro de Umbanda: Na experiência brasileira das religiões de matriz africana, percebe-se uma formulação de vida comunitária bastante inclusiva no que tange à sexualidade. É muito comum encontrar sacerdotes e sacerdotisas com orientação sexual homoafetiva. Nenhum fiel deste culto é excluído em razão da sua orientação sexual. Nesta religião ocorre um fantástico culto de festa da Pomba Gira ou Exu-fêmea, no qual ocorre o transe profundo da maioria dos fiéis, libertando sua alma feminina. A sexualidade visita o templo em forma de terreiro. Os fiéis consultam as entidades para encontrar soluções para a sua vida afetiva e sexual. A abundância de perfume feminino no ambiente, as bebidas alcoólicas e os enfeites femininos criam uma predisposição para o amor. Os fiéis então fazem consultas buscando conselhos para a vida afetiva e sexual. As religiões de matriz africana possuem representações divinas para a sexualidade. Exu e a Pomba Gira representam esta energia do feminino e do masculino e ajudam os seres humanos a vivenciar a sua sexualidade.
Comunidades Naturistas: Outra experiência ainda pouco conhecida é a das comunidades naturistas, que começam a alcançar mais e mais aceitação da sociedade de uma forma geral. Homens, mulheres, crianças, jovens, adultos e idosos, famílias inteiras estão aderindo ao naturismo, no qual a nudez é a regra. Já existem comunidades naturistas evangélicas que aderiram ao naturismo, nelas os participantes celebram a sua fé evangélica nus, como vieram ao mundo. Os hinos religiosos, as leituras bíblicas, os sermões e a eucaristia, tudo isso acontece em meio aos corpos nus dos fiéis e do sacerdote. Lideranças religiosas estão aderindo a esta prática e ali se integram completamente com pessoas de tradições religiosas muito diferentes. A partir da necessidade de uma integração de seus corpos e sexos com a natureza e com o outro, abrem-se para uma experiência densamente plural e alternativa de religiosidade.
A parada do orgulho Gay: No Brasil, bem como em outras partes da América Latina, o movimento do orgulho gay tem crescido de forma grandiosa. Em São Paulo, a Parada Gay é hoje o maior acontecimento de massa do Brasil, reunindo cerca de 3 milhões de pessoas. Com todas as suas contradições, entendo que a Parada Gay, assim como o carnaval brasileiro, são experiências humanas de profunda religiosidade e misticismo. Por acaso a religião não é uma tentativa de representação de nossos sentidos existenciais? Os Deuses são as projeções de nossos mais profundos desejos. Então a parada gay é sim uma grande festa religiosa na qual se celebra o amor fora dos padrões da sociedade patriarcal e homofóbica. Cada qual com seu Deus particular, cada qual com sua fantasia, vivendo intensamente aquilo que no cotidiano não se permite viver. O culto ao amor multicolor vai passando nas avenidas da cidade e vai ganhando risos, aplausos. Homens e mulheres que apenas desejavam assistir aos que passam na procissão do amor, gozam tanto quanto aqueles que já entraram para este grande culto do amor multicolor. No final a multidão é tão grande que não é mais possível se fazer distinção entre quem é homo e quem é heterossexual, pois o amor se instaurou no ar, fez vencer os preconceitos, retirou as máscaras da hipocrisia e tornou a todos os seres humanos dignos do amor dos mais diferentes Deuses que conseguimos representar.
Onde poderemos encontrar comunidades inclusivas?
Com certeza todos conhecemos outras tantas experiências em que se pode verificar que a sexualidade e a religião não se opõem e nem se antagonizam. Para quem é cristão basta ficar atento ao projeto de Jesus, que é para todas as pessoas, principalmente para aquelas que vivem na marginalidade e na exclusão. Prostitutas, mães-solteiras, leprosos (impuros), pobres, ladrões, presos, doentes, crianças, mulheres, homens, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transsexuais, transgêneros e todos os segmentos sociais são convidados a participar do projeto do Reino do amor de Deus.
Assim encerro esta pequena reflexão reafirmando que as visões alternativas sobre sexualidade não estão postas no simples dualismo entre o branco e o preto, entre o oficial e o seu oponente. Somos uma humanidade de muitas cores, de muitos rostos, de muitas culturas. Não é mais possível pensar e viver uma religião no singular. As verdades absolutas estão desmoronando. Em seu lugar começa a se construir um mundo multicolor, multicultural e multirreligioso, em que a sexualidade igualmente exerce o direito de ser também plural. E, neste arco-íris, não há limite de cores.

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Por Elias Mayer Vergara
ieab.goiania@terra,com.br
Diálogo Latino americano sobre Sexualidade e Geopolítica
Rio de Janeiro, agosto de 2009

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